4.2.07

Incompatibilidades – dando o dito por não dito?!

O senhor ministro da saúde não disse apenas, escreveu, num despacho seu recente, que devia ser considerado incompatível para os médicos que trabalham na função pública desempenharem funções de direcção ou coordenação de qualquer actividade médica privada. Lá se dizia que «o exercício efectivo de funções de coordenação e direcção, independentemente da sua natureza jurídica, em instituições privadas prestadoras de cuidados de saúde por profissionais pertencentes a instituições integradas no Serviço Nacional de Saúde, sujeitos ou não ao regime da Administração Pública, deve ser sempre considerado incompatível» (sic).
Manifestei-me discordante (até nas páginas deste jornal), pessoalmente e como representante da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar, e muitos o fizeram também. Nas condições da saúde do nosso país, essa incompatibilidade afirmada iria com certeza limitar a actividade médica, com prejuízo evidente dos que necessitam dela, e fazer porventura afastar do SNS muitos médicos dos melhores e mais capazes.
A Ordem dos Médicos, opondo-se também, pelos mesmos motivos, pronunciou-se até pela ilegalidade de semelhante despacho, baseando-se em opiniões jurídicas abalizadas, e o mesmo fez o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (pergunta-se: o ministério não tem juristas?!).
Mas afinal vem-se agora dizer que aquele despacho não é para ser levado à letra. O articulado do Regulamento do SNS que nele se invocava não é taxativo, nunca foi interpretado daquela maneira e parece que também não é agora que vai ser.
Quer dizer: deu-se o dito por não dito. Mas então por que é que se disse?! É que no ministério da saúde estas opiniões sistematicamente variáveis, bruscamente divulgadas e logo recolhidas ou modificadas, deixam um travo amargo de insegurança e arrastam inevitavelmente ao espírito a palavra “competência”.
Alguns conselhos de administração começaram logo pressurosamente a indagar da actividade privada dos médicos do hospital que não estão em regime de exclusividade. E no final de contas parece que vai ser nos conselhos de administração que o ministério vai delegar decidir quais os médicos hospitalares a quem será atribuída aquela incompatibilidade. O ónus da decisão vai ser das administrações hospitalares, poupando-se assim o senhor ministro a decisões que se auguram no mínimo polémicas. Serão decisões variáveis, elásticas, com um substrato nebuloso, dependentes do que cada conselho de administração achar.
Ficámos esclarecidos: é mais uma vez o “achismo”, que pontifica neste ministério. E que abre caminho a toda a espécie de compadrios e injustiças, minando o ambiente de trabalho e levando a uma desmotivação preocupante, sobretudo daqueles que mais apostaram na diferenciação e na qualidade.
Pub. Tempo Medicina 5/2/2007

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