1.9.06

Sinais preocupantes...

O senhor ministro da Saúde passou o mês de Agosto a vir repetidamente a público dizer que «não está minimamente preocupado» com a greve dos médicos (anunciada para Setembro) e que os portugueses também não deveriam estar. É claro que ele conhece, como todos os portugueses, a deontologia especial dos médicos que, embora cheios de razão, não irão nunca fazer perigar a vida dos doentes para que o ministro faça o que deveria fazer. Com certeza que ninguém estará à espera de ver os mortos amontoarem-se aos pés dos médicos como forma de pressão sobre os economistas do Ministério, ou doentes a serem deixados morrer, um a um, até que as reivindicações dos seus médicos sejam finalmente satisfeitas… Provavelmente nunca iremos ter que fazer em Portugal o que os nossos colegas belgas já uma vez foram obrigados, in extremis, a fazer: abandonar todos o país, de uma só vez, até o governo ganhar juízo. E ganhou.
Na visão do ministro, portanto, está tudo bem, todos podem ficar descansados. E isso é que é um sinal preocupante. Parece que nem lhe passa pela cabeça que a greve anunciada tem uma razão, nem está minimamente preocupado com ela. E é uma razão simples: o Governo ter dado o dito por não dito, para poder reduzir pontualmente a remuneração de alguns médicos, mantendo o seu trabalho. O trabalho feito é o mesmo, o pagamento de cada hora é que diminui. Com uma justificação confessa, e única: para poupar dinheiro.
Dentro da lógica economicista reconhecidamente redutora deste Ministério, tudo vale para poupar dinheiro. Nem que seja à custa directamente de quem trabalha, de quem dá o corpo ao manifesto. Reduz-se o valor da hora extraordinária. Como se reduzem as equipas, se contratam os que fiquem mais baratos, sem olhar à sua diferenciação profissional e à qualidade do seu trabalho, se reduzem os serviços, e os hospitais e os centros de saúde.
E isso é outro sinal preocupante. É que toda a racionalização apregoada — que é antes racionamento — tem incidido, na prática, no atendimento aos doentes. E a empresarialização da saúde pública, teorizada e posta em prática pelo agora senhor ministro da Saúde — iniciada por ele em 2002 e prosseguida até hoje — começa a ter laivos de certas empresas «à portuguesa», de que todos vamos ouvindo falar com frequência, quando começam a ter alguma dificuldade financeira, ou pelo menos não dão os lucros pretendidos: primeiro deixam de pagar os ordenados, e não pagam os subsídios devidos; depois despedem empregados; para, finalmente, abrirem falência e fecharem as portas.
Mas esperemos que sejam só sinais preocupantes, e a doença não se concretize, ou seja tratada a tempo. A Saúde é um bem público de necessidade fundamental em qualquer país. E a nossa até é a que tem ficado mais barata em toda a Europa comunitária dos doze, diga lá o que se disser para justificar o que se quer fazer dela. E a verdade é que com as mudanças feitas, e as restrições todas que têm sido impostas na assistência aos doentes, a despesa com a Saúde até acabou por aumentar. Por que será? (Pub. Tempo Medicina 4/9/2006)

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