11.9.06

Só para não pagar a alguns médicos?!

A modificação do decreto-lei que rege a realização e respectivo pagamento de horas extraordinárias por parte dos médicos no SNS, feita de modo a que os médicos em regime de não exclusividade e 35 horas semanais não sejam obrigados a fazer horas extraordinárias, parece ser pouco mais que uma “birra” do Senhor Ministro da Saúde. Na verdade, o problema que estava a um passo de desencadear uma greve médica mantém-se, isto é, os médicos nesse regime de trabalho continuam a ver o seu trabalho extraordinário pago numa percentagem do mesmo trabalho realizado pelos seus colegas em 42 horas e exclusividade. Apenas de agora em diante podem legalmente recusar-se a fazê-lo, e é o que muito provavelmente irá acontecer. Nem precisam para isso de fazer greve, que, aliás, já foi desconvocada.
Não se trata aqui de serem médicos que gostam de trabalhar menos que os outros, o que se passa é que todos gostam de ver o seu trabalho dignificado, e uma das maneiras de dignificar o trabalho de cada um é recompensá-lo adequadamente. E não é isso que acontece, se exactamente pelo mesmo trabalho de outros colegas estes médicos receberem menos 40% do que aqueles recebem.
O problema de princípio permanece, pois, exactamente o mesmo. Mas parece, parafraseando um político português actual, que aqui “não se trata de princípios, mas de fins”, e estes são – como não poderia deixar de ser e é declaradamente reconhecido – poupar dinheiro na saúde. Nem que seja, como neste caso, à custa de quem dá o corpo ao manifesto, executando as tarefas para que os hospitais foram criados: tratar doentes. Mas daqui é que nasce o espanto: se esses médicos não fizerem trabalho extraordinário, porque não são obrigados, ele terá de ser feito pelos outros, os das 42 horas, esses sim expressamente obrigados a fazê-lo por esta modificação da lei. Então?... A alteração legislativa em questão foi feita só para não pagar horas extraordinárias a alguns médicos?!
Os obrigados por esta lei a trabalhar fora do seu horário normal – pois é disso que as horas extraordinárias tratam – receberão a hora extraordinária pelo valor máximo legal, por isso não se antevê qualquer poupança em remunerações. O que se antevê em muitos hospitais é dificuldades em manter equipas e serviços de urgência com as condições mínimas imprescindíveis para uma assistência adequada aos doentes e formação pós-graduada dos internos organizada e credível. Há que se perceber que as horas extraordinárias existem sobretudo pelos quadros de pessoal serem pequenos, e se com isso se consegue gastar menos nos salários mensais, em contrapartida tem de se gastar mais em trabalho feito para além dos horários de trabalho dos funcionários. Acresce o facto de no trabalho médico ter de haver um limite temporal, em nome da segurança dos doentes e dos próprios médicos. Atingido esse limite – definido até por lei, esta ainda não revogada – cada médico não deve, nem legalmente pode, trabalhar mais. Por isso será difícil que os médicos em exclusividade, mesmo sobrecarregados ao máximo permitido no seu trabalho extraordinário, possam fazer o trabalho deles e o dos outros.
Quer dizer, esta decisão do Conselho de Ministros tem com certeza um alcance, mas que não nos parece claro. Admitimos que não seja só para deixar de pagar a alguns médicos e pagar a outros, ou para desmobilizar momentaneamente e in extremis uma greve anunciada. Muito menos que seja só para “castigar” os médicos que estavam a falar em fazer essa greve… Teremos agora de esperar para ver as consequências e os desenvolvimentos por parte do Ministério da Saúde, isto sem que nos possam acusar de ter ficado calados e não alertar de imediato para os problemas que dela podem advir a curto e médio prazo. A responsabilidade é do Senhor Ministro, aguardemos. (Pub. Tempo Medicina 11/9/2006)

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