27.11.11

Algumas reflexões sobre o tempo que passa

É natural que os médicos se preocupem sobretudo com os problemas da saúde. Mas no momento crucial que a Humanidade atravessa, em especial na Europa do euro, os problemas sociais e financeiros assumem um papel que a pouco e pouco nos domina cada pensamento e atitude. Uma tremenda crise financeira se instalou, com alguns Estados europeus – infelizmente o nosso também – sem dinheiro para pagar as dívidas que tiveram de contrair para terem liquidez para assegurar os serviços que cumpre aos respectivos governos prestarem.
Portugal vive, assim, mergulhado numa crise financeira para a qual, afirmemos sem qualquer peso na consciência, os portugueses, o povo, pouco ou nada contribuíram. Trabalhámos, exercemos a nossa profissão, ganhámos dinheiro, gastámos, pagámos impostos, alguns pediram dinheiro emprestado aos bancos (que é para isso que servem os bancos) e estão a pagá-lo, e foi só isso, nada de errado ou pecaminoso. Com a entrada na CEE e os fundos de adesão que de lá vieram, é verdade que acabámos a viver melhor. Mas é lamentável ouvir e ler alguns – nem sequer políticos, antes fazedores de opiniões apressadas e pouco credíveis - tentarem demonstrar que a crise financeira que se estabeleceu no nosso país deriva de os portugueses terem vivido razoavelmente bem durante umas duas dezenas de anos, em casas bem cuidadas e com bom aspecto, com boas estradas, uma educação aceitável e uma saúde das melhores da Europa e do Mundo. Falar sequer nisso é uma falácia completa, e serve apenas para louvar e perpetuar a situação agora criada, cá e internacionalmente, que corre manifestamente a favor de alguns poucos e, portanto, em desfavor da maioria. E classificar Portugal como um país que só pode existir no terceiro mundo. E não o é, seguramente.
Incomoda-me, por um lado, ver como se pretende estender os erros cometidos por quem governa, aqui e por essa Europa comunitária fora, aos respectivos povos, incluindo o nosso, quando estes se limitaram a viver conforme as condições que lhes eram proporcionadas. Procura-se criar uma espécie de remorso colectivo, um sentimento de culpa, perfeitamente despropositado e sem razão de ser, que visa apenas desviar atenções de quem tem realmente toda a culpa. Não nos esqueçamos que a destruição dos nossos meios de produção foi uma imposição da Europa Comunitária, como moeda de troca pelo dinheiro que nos ia enviando.
Por outro lado, acho extraordinário ver incluída a Saúde, e os problemas que ela agora atravessa entre nós, com tendência para um agravamento progressivo, no pacote de causas da crise que nos assola. Ela começou muito antes a resvalar e a perder o pé, com a política do ministro Correia de Campos para o sector e a empresarialização que fez dos hospitais públicos. Foi essa empresarialização que levou ao desmoronar das carreiras médicas, e foi este simples facto que criou o substrato que está a fazer o Serviço Nacional de Saúde a pouco e pouco decair e soçobrar, ingloriamente.
O SNS continha em si, por obra do ministro António Arnaut e do seu Secretário de Estado Mário Mendes, com um contributo depois muito importante do ministro Paulo Mendo, uma estruturação que lhe permitia com naturalidade uma avaliação e renovação contínuas, com uma garantia permanente de qualidade, qualidade essa responsável última por ser um dos melhores do mundo a um preço dos mais baixos na Europa. E foram precisamente aquelas modificações introduzidas – e não a crise financeira, que é de agora – que levaram a um aumento desconforme da despesa, que o tornou, agora sim, de muito difícil sustentação.
Mas creio firmemente que esta será ainda possível, desde que se inverta o caminho percorrido na última meia dúzia de anos, e se recupere a hierarquização pela competência e provas dadas. É necessário reestruturar a Saúde, isto é, voltar a dar-lhe uma estrutura viva e actuante, porque neste momento é uma estrutura morta. E dum morto não se pode esperar nada de positivo.
Só com muito esforço é que poderemos sair desta crise. Um esforço partilhado por todos, funcionários públicos e privados, donos de empresas e bancos. Mas não será só com poupança. O povo agora tem de poupar porque não tem dinheiro, porque não lhe pagam o seu trabalho, porque o que deu para o Estado em impostos desapareceu juntamente com o que veio da CEE. Há que se gastar menos, sem dúvida, mas manter o país vivo. Poupar tanto e tão indiscriminadamente que o leve à morte não é solução. Poupar mas produzir, criar de novo condições para produzir, deve ser essa a tarefa de quem nos dirige e de nós todos. Que não é a mesma de quem nos emprestou dinheiro, esses apenas velam pelo retorno dos juros e do capital, por isso atenção que os conselhos e exigências deles são apenas nesse sentido, há que os adaptar à nossa sobrevivência.
Os cortes não podem ser indiscriminados e transversais, têm que ser bem dirigidos, cirúrgicos, poupando o que constitui a espinha dorsal do país. A saúde e a educação representam pilares da vida e da sobrevida do país, não podem ser desfeitas. Fundir, fechar, despedir nessas áreas fazem parte do problema, não da solução. Enquanto trabalhadores da saúde reorganizemo-nos, façamos o melhor possível, sigamos quem entre nós mostrar ser melhor, não é momento para tricas pessoais ou partidárias. Destruir, num país que já tem tão pouco, não é solução. Aproveitemos o que temos, rentabilizemos, deixemos duma vez por todas de ouvir os que conduziram a Saúde a isto, oiçamos outras ideias, que nos levem a ter aquele golpe de asa de que tanto precisamos. É apenas disso que precisamos, não dum milagre.
Carlos Costa Almeida

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