9.11.11

Mário Mendes e as Carreiras Médicas

O Serviço Nacional de Saúde foi uma obra administrativa notável, da responsabilidade do ministro António Arnaut e execução do seu Secretário de Estado da Saúde Mário Mendes, obra que dura há mais de três dezenas de anos, resistindo ao longo dos mais variados governos, de diversa orientação política, e agora debaixo de fogo cerrado. Uma obra que visava uma medicina de qualidade ao alcance de todos, tendencialmente gratuita, com o superior objectivo, larga e duradouramente conseguido, de dotar o nosso país com um sistema de saúde estatal de primeiro plano à escala mundial, e a baixo custo quando comparado com outros de qualidade similar em países ricos.
O SNS teve uma ligação estreita, indissociável, eu diria imprescindível, com outras duas realizações notáveis na área da saúde em Portugal: os Internatos Médicos e as Carreiras Médicas. Foi através deles – Internatos e Carreiras - que a formação médica pós-graduada e contínua se enraizou, produzindo profissionais de gabarito, que nada ficam a dever do ponto de vista teórico e prático aos colegas de topo dos outros países ocidentais. E foi por eles, num triunvirato ganhador com o Serviço Nacional de Saúde, que foi possível estender a todo o território nacional, ao seu interior, de onde antes os mais doentes eram penosamente deslocados obrigatoriamente para as três cidades universitárias do litoral a fim de poderem ser tratados, médicos especializados bem preparados, entusiasmados e prontos a fazer carreira, a ganhar notoriedade, na sua dedicação à profissão, com o retorno adequado em termos materiais mas sobretudo de êxito profissional oficialmente reconhecido.
Foi uma receita extraordinária esta, aplicada de maneira profícua, por homens cujo nome não deve ser esquecido, entre eles o Professor Doutor Mário Mendes, e onde compete também citar o Dr. Paulo Mendo. As Carreiras Médicas, em particular, permitiram equipar todos os hospitais, grandes e pequenos, centrais e periféricos, com profissionais bem preparados, e inclusivamente fazer a sua preparação localmente, criando verdadeiras escolas médicas hospitalares, com um papel que considero determinante na elevação da qualidade que se registou, traduzida objectivamente pela melhoria de todos os indicadores de saúde. Rapidamente se foi estabelecendo uma hierarquização pela competência, experiência e diferenciação técnico-científica, com repercussão decisiva na formação dos internos e na abordagem e tratamento dos doentes.
Tudo isto forneceu ao SNS uma estrutura, que era como que um esqueleto de suporte mas que ao mesmo tempo tinha todas as condições funcionais que lhe permitiam com naturalidade e eficiência autoavaliar-se, corrigir-se, evoluir. E foi o que fez durante mais de 30 anos, desde o seu começo pela mão do Professor Mário Mendes e do Dr. António Arnaut. Durante esse tempo convivemos com ele, naturalmente, dando-o como garantido, sendo para o país um assunto arrumado. Mas eis senão quando foram nele introduzidas, há poucos anos, alterações estruturais, modificações organizativas, mudanças de paradigma, anunciando-se objectivos que redundaram afinal em maus resultados, com a correspondente derrapagem dos indicadores de saúde e da classificação nacional no “ranking” internacional nessa área. Um dos pilares desmoronou-se mesmo – as Carreiras Médicas – e a estrutura restante tem sido severamente agredida. Teme-se pelo seu futuro, e é nesta altura que quem a criou é, naturalmente, lembrado. Com saudade, mas também com esperança, porque a recordação de êxitos passados torna possível acreditar em futuros. Mesmo quando no imediato tal não pareça possível.
Carlos Costa Almeida
De um livro de homenagem ao Prof. Mário Mendes a publicar brevemente

1 comentário:

Anónimo disse...

Que dizer então do actual atropelo às Carreiras Médicas que tem vindo a ser promovido um pouco por todo o lado? O Dr. Fong ganhou a causa contra o CH do CHC EPE, mas a gloria tardia pouco satisfaz. Vamos continuar a conviver com esta situação? Vale mais assumir que não há carreiras e que está em vigor a lei da selva.