25.4.07

OS MÉDICOS TROCAM O PÚBLICO PELO PRIVADO

Calcula-se que só no último ano entre 300 a 500 médicos portugueses trocaram os hospitais públicos pelos privados, e que já em 2008 um quarto das cirurgias vão ser feitas fora do SNS (contas do SIM, publicadas no Público de 24-4-2007).
Não é de modo nenhum de espantar que o sector público esteja a perder muitos dos seus melhores médicos para o privado. As instituições privadas multiplicam-se a olhos vistos, vindo ocupar o espaço deixado vazio pela recessão economicista imposta aos hospitais públicos. Por outro lado, o que se vai passando em muitos dos hospitais EPE não convida realmente a lá trabalhar, e isso sim, é de estranhar, porque se lhes foi criado um estatuto empresarial deveria ser para serem geridos numa lógica de competitividade, e isso implicaria obviamente criar condições para que os melhores lá quisessem trabalhar com gosto e entusiasmo. Mas não, o ambiente gerado por muitos dos conselhos de administração nomeados pelo ministério para esses hospitais foi precisamente o contrário, utilizando o poder que lhes foi atribuído não em prol da instituição mas sim desbaratando-o em nomeações de amigos sem a qualidade necessária, e pior, afastando dos lugares de chefia, por motivo de retaliações e pequenas vinganças pessoais, profissionais de prestígio, com provas dadas e que vinham fazendo a gestão clínica dos seus serviços o melhor possível, cumprindo e ultrapassando até o que estava contratualizado. A passagem a EPE nesses hospitais foi sentida não com entusiasmo mas como uma punição, e uma punição imerecida, o que não ajuda nada à produtividade e ao progresso das instituições.
A desierarquização ostensivamente estabelecida nesses hospitais, por um lado, o corte constante no orçamento para tratar os doentes, por outro, são suficientemente motivadores duma saída dos melhores para outras paragens menos inóspitas.
Em cima disto tudo, o “administrativismo” instalou-se no sector público empresarial, deslocando uma boa fatia do orçamento hospitalar para essa área, com prejuízo óbvio da área clínica. Com a ânsia de ganhar dinheiro – parece ser o único aspecto que foi implementado em muitos dos “empresarializados” – os gestores lá colocados multiplicaram os que fazem contas mas negligenciaram os que produzem, isto é, os que tratam os doentes, o sector produtivo da empresa. Em vez destes serem estimulados, com prémios, com regalias, com mimos, com condições de trabalho melhoradas – como os competidores privados fazem - aqueles portam-se como capatazes e vigilantes, espremendo os trabalhadores para produzir sumo sem laranjas.
Não sei se era isto o pretendido com esta nova forma de gestão hospitalar, que para levar a esta situação acabou com as carreiras médicas. E este é outro problema de difícil resolução. Mas foi o que foi criado. A verdade é que começam a existir condições para os médicos poderem escolher onde querem trabalhar, onde se querem realizar profissionalmente, e o sector privado, onde já existe em força, está a levar a melhor.

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