19.6.11

Encerramentos, fusões e outras racionalizações

Tornou-se francamente evidente a evolução negativa que a Saúde no nosso país sofreu de há pouco mais de meia dúzia de anos para cá, e de que nós desde o início viemos falando. Foi desde que a organização interna dos hospitais foi modificada, dando-se primazia à parte administrativa e esquecendo-se, ou pondo-se de parte, a clínica. Com a destruição das carreiras, as nomeações puramente políticas para os lugares de chefia intermédia, e a desestruturação interna que daí resultou, que se repercutiu na qualidade e no custo da assistência e também na formação dos profissionais médicos. Com os gastos enormes com a gestão, incluindo tudo que é material e programas informáticos, relógios de ponto electrónicos, prescrição electrónica, tudo electrónico e caro num país que não tem dinheiro para pagar as dívidas e tem pouco para tratar os doentes.
Portugal está classificado agora em saúde nos últimos lugares europeus, quando era dos primeiros, a mortalidade infantil aumentou pela primeira vez em 20 anos e a morte por tuberculose recrudesceu. As pessoas pagam cada vez mais pela sua saúde, e isso vai-se agravar pelas medidas impostas pela “troika”. Mas com a qualidade a diminuir e a formação médica comprometida, os gastos e o prejuízo aumentaram exponencialmente. Quanto mais modificações se fizeram, mais a qualidade e a formação diminuíram e o prejuízo aumentou.
Não vale a pena meter a cabeça na areia, e tentar fugir para a frente: o prejuízo virá atrás de nós. Com o descalabro financeiro crescente, e em vez de emendar a mão e reconhecer os erros de gestão cometidos, tentou-se poupar “racionalizando” meios, o que na prática correspondeu apenas a encerramentos, de centros de saúde, serviços de atendimento permanente, maternidades, serviços hospitalares, urgências e hospitais, agora noutra modalidade, a das fusões. Fundir 2 ou 3 hospitais, ou 8, como se fala em Coimbra, é reduzi-los a 1 e encerrar os outros, diga-se lá o que se disser. Com a redução de oferta e as limitações daí resultantes, bem como as consequências negativas para a economia da região envolvida.
Os que trabalham na Saúde, sobretudo nos hospitais, sabem o que se passa, mas às vezes é bom pormo-nos no lugar dos doentes. Foi o que aconteceu comigo há uns tempos atrás, quando uma pessoa da minha família, muito chegada e querida, teve um AVC e foi por isso transportada de urgência para o centro hospitalar que serve a sua área de residência. Recebida e estudada lá, cedo o neurologista de serviço se apercebeu que a doente estava também a ter um enfarte do miocárdio. Aí surgiu o problema: para evitar “redundâncias”, a Cardiologia daquele centro hospitalar é noutro hospital, a umas dezenas de quilómetros de distância daquele. Que fazer? Tratar mal o enfarte (por alguém não especializado), ou enviar a doente noutra viagem de ambulância em plena fase aguda de duas situações patológicas graves, e depois ser mal tratada do seu AVC? Bom, esse problema acabou por ser resolvido pela própria doente, quando passado algum tempo morreu, ainda no primeiro hospital. Teria chegado a sua hora? Não sei, mas aquela falta de redundâncias não ajudou nada… Nem ajudou ou vai ajudar outros. Serão muitos ou poucos?... Para mim chegou que fosse uma…
Mas a minha experiência recente como familiar de doente não se ficou por aqui. Um irmão daquela senhora tem insuficiência renal crónica, e faz hemodiálise numa clínica ligada a um hospital daquele centro hospitalar. Teve um problema respiratório agudo, foi obrigado a ir a outro; mas as queixas cardíacas que também apresenta não são para esse… e a correcção cirúrgica do seu acesso vascular para hemodiálise também não. Mas que dificuldade que os médicos que tratam este doente devem ter em encontrar-se e falar sobre ele! Bom, com certeza não falam. Provavelmente cada um o trata de per si, com as redundâncias que, aí sim, se podem imaginar e, se calhar, os maus resultados.
Quase tudo que foi feito pelo governo nos hospitais portugueses nos últimos anos resultou mal, ou teria resultado melhor se fosse feito doutra maneira. Para quê continuar o mesmo caminho?! Que quem entra agora não acredite no “marketing” de quem sai, com o fracasso camuflado por projectos mais ou menos grandiosos e palavrosos mas balofos e sem sentido. Avalie-se o que foi feito, objectivamente, corrija-se o que está mal, reorganizem-se os hospitais, redimensionem-se, reconstitua-se a sua cadeia hierárquica, nomeie-se quem tecnicamente deve ser nomeado. Aproveite-se o que se tem, não se destrua para construir algo que está condenado ao fracasso logo à partida.
Não se destruam hospitais centrais que funcionam bem há muitos anos, com o agrado dos doentes, só para seguir o que apareceu um dia numas linhas escritas à pressa num decreto lei, para encher espaço e completar umas 50 medidas prometidas, sem qualquer projecto ou estudo prévios! Que depois nos são apresentadas como ideia duma “troika” que de saúde saberá tanto como nós de empréstimos a juros. E que ao mesmo tempo nos quer reduzir também a educação e a justiça, coisas que, a par da saúde, só interessam aos pobres indígenas falidos que nós somos, e não a quem nos emprestou dinheiro e quer sobretudo os juros dele.
Tenha-se a coragem de avaliar o que foi feito, e não se queira corrigir o que está mal com quem foi causa disso. Há que recorrer por uma vez a outros, a quem criticou esta política e tem ideias diferentes e concretas, encarar a Saúde doutra maneira, ter o golpe de asa que a Saúde em Portugal precisa. E o País também.
In Tempo Medicina, Carlos Costa Almeida

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