8.12.07

A SAÚDE NO BOM CAMINHO…

A notícia surgiu, mas conseguiu passar despercebida. Por um lado, houve o cuidado de a apresentar discretamente, por outro, não constituiu surpresa para ninguém: Portugal foi considerado pela Health Consumer Powerhouse em 19º lugar na Europa comunitária dos 27 em termos de qualidade da sua saúde nacional. Quando em 2002 a Organização Mundial de Saúde nos punha no 12º lugar mundial.
A classificação não foi feita pela mesma entidade, mas os parâmetros considerados visam igualmente a análise da saúde fornecida às populações nacionais. A verdade indesmentível é que houve uma descida, eventualmente muito mais marcada até do que parece porque na classificação de 2002, mundial, se considerássemos apenas os países da CEE o nosso lugar seria não de 12º mas de 6º, em vez do 19º de agora.
Quer dizer: em apenas 5 anos houve uma descida evidente. Sem surpresa para os profissionais de saúde, nem surpresa para os doentes ou até para a grande maioria dos ainda saudáveis mas que têm familiares doentes. Surpreendidos – eventualmente – só aqueles que têm apregoado que a saúde no nosso país está cada vez melhor e que, agora sim, vamos no bom caminho.
O actual ministro da Saúde clama que conseguiu mudar o sistema de saúde, e tem razão, mudou. Só que não se sabe ainda para que modelo. Começou quando foi ministro pela primeira vez, em 2002, e a sua obra continuou ininterruptamente até hoje, mesmo quando o ministro era outro. Pode pois assumir a responsabilidade pela mudança, e também pelos resultados. Ninguém os irá assacar a outrem.
Os intervenientes no terreno são os mesmos: os doentes, os médicos, os enfermeiros, os farmacêuticos, os analistas, os técnicos, enfim, todos os profissionais que lidam com os doentes. O que mudou foi a lei de gestão hospitalar, o estatuto desses profissionais, a estruturação profissional e económico-financeira das instituições públicas fornecedoras de cuidados de saúde, o acesso dos doentes a esses cuidados e o seu pagamento, isto é, aquilo a que podemos chamar com propriedade o “sistema”. Obviamente foi o que mudou que levou ao mau resultado agora constatado internacionalmente.
Portugal ocupava um honroso 12º lugar mundial, 6º europeu comunitário, sendo o país da comunidade europeia que gastava menos com a saúde, em termos absolutos. Mesmo em percentagem do Produto Interno Bruto, não era nem de perto o que gastava mais, apesar de ter o PIB mais baixo de todos. E agora? É isto ir no bom caminho?...
Havia três coisas em que Portugal era mundialmente bom: hóquei em patins, futebol e saúde. O hóquei já era, o futebol tem dias, a saúde vai pela ladeira abaixo. O bom caminho parece ser o de correr a nivelar-se pelo resto nacional.
É que o verdadeiramente preocupante para quem trabalha de facto na saúde é a perspectiva mais que certa de continuação da descida já verificada. Esta baseou-se sobretudo na maior dificuldade de acesso dos doentes aos cuidados de saúde – e era evidente que isso estava a acontecer. Mas a qualidade dos cuidados, apesar de todos os cortes e limitações impostos, foi-se mais ou menos mantendo, sobretudo pela “vis a tergo” de trinta anos de Serviço Nacional de Saúde e de Carreiras Médicas. E de muito entusiasmo profissional dos médicos. A desestruturação provocada na medicina hospitalar, com a destruição das carreiras médicas, substituídas pelo “achismo” de alguns e oportunismo de outros, vai levar ao colapso da formação médica pós-graduada. Vejamos porquê.
A formação médica das especialidades hospitalares é baseada nos hospitais públicos, com transmissão ordenada e programada de conhecimentos, de prática, de “know-how”, de experiência, de quem os tem para quem os está a adquirir, constituindo cada hospital, e cada serviço dentro dele, uma verdadeira escola. O afastamento dos mais graduados e experientes dos lugares a que tinham ganho direito e que exerciam com qualidade, nalguns casos até mesmo para fora do hospital, constitui uma quebra que se irá sem dúvida sentir dentro de algum tempo na preparação dos agora jovens especialistas e internos. Alguns com prosápia se acharão capazes de prescindir de ensinamentos; desses, muito poucos terão até razão, mas mesmo esses, a excepção, seriam ainda melhores, e mais depressa, se tivessem com quem aprender sem ser com os doentes. O que as carreiras trouxeram de fundamental foi criar um conjunto homogéneo por todo o país de profissionais especializados bem preparados. E é isso que está em vias de se perder. Ao mesmo tempo que se impõe a obrigatoriedade de “produção em massa” do que é rentável, descurando tudo o resto, aprendizagem incluída.
Se a nossa saúde nacional desce no ranking internacional por os doentes sentirem mais dificuldade em ser tratados, ela irá inapelavelmente descer mais ainda por falta de qualidade, e uma descida dessas não se recuperará facilmente. Um bom médico não se forma em meia dúzia de anos, e isso se houver as condições necessárias e não houver hiatos na cadeia de formação.
O objectivo imediato do ministério parece ser tirar do público para o privado quanto mais médicos melhor. O esvaziamento dos hospitais públicos da actividade dos seus médicos mais graduados e mais preparados é um rude golpe na qualidade presente mas sobretudo futura desses hospitais. Com certeza que não há ninguém que não possa ser substituído com a mesma qualidade, o problema é se o vier a ser ao fim de muito tempo e após um interregno penoso e perigoso, para os doentes e sobretudo para os jovens médicos. É que estes não têm do ponto de vista legal a sua responsabilidade profissional atenuada por terem pouca experiência ou ainda parcos conhecimentos. E não havia necessidade, parafraseando o outro. Só por causa duma qualquer que seja mudança do sistema que foi idealizada e cuja aplicação se quis forçar, sem ter em conta todos estes aspectos, acautelando-os.
Ou tendo, já não sabemos, porque na realidade parece que se estarão a considerar todos estes problemas quando se fala em importar médicos especialistas, se for preciso, e dar-lhes um curso rápido de português (sic). Da Índia. Ou de Cuba, de Espanha, seja donde for e os houver disponíveis. A globalização permite isto, pelos vistos, importar profissionais de onde os houver, escolhendo, obviamente, os que façam mais barato. O que não parecia de pensar é que a globalização tornasse dispensáveis os portugueses em Portugal. E com o silêncio de quase todos, aquiescente ou cómodo. E que a ideia viesse precisamente dos escolhidos para dirigir o nosso país. Ideia moderna, sem dúvida, que nos faz estremecer. Mas que nos faz pensar… Será que também poderemos importar governantes quando não houver por cá quem seja capaz ?…
Carlos Costa Almeida, Pub. Tempo Medicina

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas uma coisa melhorou... o parque automóvel dos srs. administradores hospitalares. No Hospital de Gaia não esperaram mais que uns meses após passarem a EPE para gastarem quase meio milhão de euros em carros topo de gama. Mas os aparelhos para tratar doenças oncológicas, pedidos há 4 anos, continuam à espera...