21.1.08

AS LISTAS DAS CIRURGIAS

É bom que os doentes que necessitam de ser tratados o sejam, depois de se saber o que têm e qual o tratamento mais apropriado, seja cirúrgico ou seja médico. Como também é muito importante que os doentes tratados sejam seguidos e avaliados, para se ajuizar da eficácia do tratamento realizado e evitar atempadamente as recidivas ou os agravamentos da doença.
A grande bandeira do ministério da saúde tem sido tão só a das “cirurgias” realizadas, contabilizando-as a aumentar e as respectivas listas de espera a diminuir. A parte cirúrgica dos hospitais é a mais rentável em termos económicos, e é também a que mais se presta a notícias mais ou menos bombásticas nos jornais. É evidente que todos percebem que a saúde dum país é muito mais que isso, basta lembrar os doentes com acidentes vasculares cerebrais, insuficiência cardíaca, ou renal, ou respiratória, terminal, artrite reumatóide, Alzheimer, cancro inoperável, SIDA, doenças do neurónio motor, pés diabéticos, isquémias crónicas dos membros inferiores, etc., etc., tantas situações muito menos apetecíveis para os hospitais. Mas enfim, prestemos por um momento atenção aos números apresentados pelo ministério sobre as “cirurgias”, e tomemo-los até por correctos.
Têm aumentado, mas sobretudo à custa de intervenções realizadas fora do hospital onde os doentes foram observados e a indicação cirúrgica posta. O que significa antes de mais uma falência desses hospitais. E muitos doentes têm sido enviados para fora do país (por exemplo para Espanha e para Cuba), o que significa uma falência do nosso sistema de saúde, aproveitando-se do bom funcionamento do dos outros. Diferente seria se houvesse intercâmbio de doentes, mas isso não acontece. E não é por falta de preparação ou conhecimentos dos nossos especialistas, por enquanto.
Os doentes deveriam ser observados, estudados, operados e seguidos pelo mesmo médico, ou pela mesma equipa, sendo eles próprios a fazer essa escolha, até como teste de qualidade. Não é isso que se passa, podendo sim escolher entre hospitais perfeitamente desconhecidos, a centenas de quilómetros de casa, do “seu” hospital e dos “seus” médicos, para onde têm de se deslocar por conta própria, várias vezes. Para ocasionalmente lhes ser dito que não têm indicação cirúrgica… Ou terão ou não, quem vai saber isso ao certo?... Que voltem ao hospital de origem para tirar isso a limpo! E a quem vão recorrer se lhes for feita uma operação errada, houver complicações, maus resultados? A verdade é que 65% dos vales-cirurgia emitidos não foram utilizados, por estas ou outras razões. Poder-se-á falar de êxito deste programa?!
Quando a intervenção tem lugar no próprio hospital, é em geral fora de horas e a pagamento extra. As estatísticas propaladas não falam de custos, o que é de estranhar em quem se apressa constantemente a pôr um preço na saúde de cada um de nós. A verdade é que, nalguns hospitais, muitas dessas operações para esvaziar listas de espera, sobretudo em cirurgia do ambulatório sem instalações dedicadas, estão a ocupar salas de operações para cirurgia major. Por um lado tratam-se pequenos casos, por outro acumulam-se doentes graves.
Finalmente, uma outra maneira utilizada para impedir o aumento ou a manutenção das listas de espera para cirurgia é não aceitar doentes novos na consulta. Ou fechar consultas, em especial de patologias “mais caras”, tornando assim mais difícil o acesso desses doentes a quem lhes ponha uma indicação cirúrgica e os coloque numa lista de espera para cirurgia. Este aspecto prende-se com a gestão hospitalar liberalizada e entregue a quem descarta a função de cada hospital em termos da saúde nacional e faz todo o tipo de “engenharias” para que o “seu” hospital dê menos prejuízo que o do vizinho. E a saúde nacional não precisa de engenheiros, precisa é de médicos que tratem os doentes. Todos os doentes do nosso país. E os de Espanha ou de Cuba, já agora, se cá vierem para ser tratados.
Carlos Costa Almeida, pub. Tempo Medicina on-line.

10.1.08

AS ELEIÇÕES NA ORDEM DOS MÉDICOS

Num momento tão conturbado como o que vivemos nos últimos dois anos, para a medicina e para a saúde do nosso país, as eleições para os corpos directivos da Ordem dos Médicos assumem um papel quase que diríamos fulcral. Porque eles representam oficialmente a classe, e porque esta deve ser um centro motor imprescindível da saúde nacional - pese embora o esforço que está a ser desenvolvido pelos responsáveis pelo ministério para nos comprimir numa funcionarização asfixiante.
As funções da Ordem dos Médicos são antes de mais discutir e apresentar aos cidadãos e aos nossos governantes as opiniões técnicas abalizadas dos profissionais que são o pilar da saúde do país, e ao mesmo tempo fazer valer os nossos direitos e as necessidades para o desempenho da nossa profissão, zelando para que ele seja o mais correcto. A APMCH, oficialmente equidistante de todas as candidaturas e tendo no seu seio apoiantes dos dois candidatos a Bastonário, espera que os que forem eleitos possam desempenhar as suas funções da melhor maneira possível, isto é, a que mais sirva a saúde e os médicos.
Por isso temos visto com preocupação crescente evidências de desejo de ganhar a todo o custo e um empenhamento tão grande que quase toca, nalgumas ocasiões, o desvario. Sejam quem forem os vencedores, são colegas a quem iremos confiar o cumprimento das funções da nossa Ordem, e que acreditamos passada a emoção da disputa saberão geri-la, colaborando uns com os outros, e com todos nós, para esse efeito. Porque o que é fundamental para a nossa classe, e para o país e os nossos doentes, é que os médicos, em conjunto, estejam conscientes do papel que devem ter na saúde nacional e escolham assumi-lo e impô-lo, sem reservas, medos ou falsas esperanças, lutando, se necessário, contra os desvarios, isso sim, das políticas de saúde governamentais.

5.1.08

O ANO DE 2007

Não distinguimos nada de importante em 2007, continuou-se foi a assistir a um economicismo imediatista como monoideia e com sacrifício de tudo o resto. A acção deste governo na saúde equipara-se à de uma ventania que destelhou casas, arrancou árvores, derrubou muros, deixou caminhos intransitáveis. E o vento sempre a soprar, impedindo qualquer tentativa de reconstrução.
Encerramento de maternidades, centros de saúde, serviços hospitalares, de urgência, de atendimento permanente. Acesso dos doentes aos cuidados de saúde dificultado. Não aproveitamento de capacidades hospitalares já instaladas, apenas por razões miserabilistas de deve e haver local do tipo “mercearia de bairro”. Desestruturação dos hospitais, com consequente desmantelamento das carreiras médicas, comprometendo-se fatalmente a formação pós-graduada.
Poupa-se dinheiro no atendimento aos doentes e reduzem-se médicos e enfermeiros, mas atulham-se os hospitais de administradores, com as despesas administrativas a dispararem. A nova lei de gestão hospitalar, feita para “agilizar”, diziam, levou pelo contrário a um recrudescimento brutal da burocracia e à catastrófica funcionarização total dos médicos.
Portugal desceu no ranking internacional para 19º lugar na Europa, quando há pouco ocupava o 6º.
E para cúmulo, depois de tudo isto, nem na parte financeira as coisas correram bem: segundo o Tribunal de Contas, o ministério da saúde endividou-se pesadamente face à banca, com pagamento dos juros respectivos. É mesmo para esquecer. Se quisessem destruir o Serviço Nacional de Saúde dificilmente teriam feito melhor…