23.9.07

Comentando as afirmações do Ministro da Saúde contra os médicos hospitalares


Presidente da APMCH diz que o ministro Correia de Campos causa incómodo
Saída para o privado “é inevitável”
A saída de médicos dos hospitais públicos para os privados será “inevitável” devido ao “incómodo” causado pelo ministro da Saúde, ficando também a formação de profissionais afectada, segundo a Associação Portuguesa de Médicos de Carreira Hospitalar. Comentando a imposição do controlo biométrico da assiduidade e pontualidade dos funcionários do Serviço Nacional de Saúde e as últimas críticas do ministro aos médicos hospitalares, o presidente da APMCH considera que “a marca negativa no sector permanecerá muito depois de Correia de Campos deixar de ser ministro”.
“O mais provável é os médicos saírem do público para o privado. O desagrado e o incómodo são muito grandes, as mudanças na hierarquização são tão marcadas e com efeitos tão negativos nas gestões dos hospitais e dos serviços [que] a saída será inevitável à medida que forem surgindo hospitais privados”, argumentou Carlos Costa Almeida. Esta saída será protagonizada, principalmente, pelos médicos “mais credenciados e afectados pelas mudanças de hierarquia” e, assim, ficarão “os mais novos, mais inexperientes e menos preparados, que vão preparar os outros”, considerou. “A brevíssimo prazo, dentro de cinco ou seis anos, haverá uma falência na preparação dos novos médicos. Isso só não acontecerá se se construírem hospitais privados com internatos, mas só de pensar nisso é ridículo. Haverá um hiato que poderá acabar por ser resolvido, mas a marca negativa permanecerá muito depois de Correia de Campos deixar de ser ministro”, considerou.
O responsável aproveitou para comparar a atitude do ministro com o que apelida de “empresas à portuguesa”: “A culpa nunca é do gestor, de quem manda, mas dos trabalhadores”. “Para se resolver os descalabros começa-se por não pagar aos trabalhadores, depois começa-se a despedi-los e finalmente fecha-se a empresa. Para mal dos nossos pecados isso está, a pouco e pouco, a acontecer na Saúde em Portugal”, acusou o cirurgião do Centro Hospitalar de Coimbra, criticando ainda o Ministério pelo esforço que tem feito na redução de consultas e intervenções cirúrgicas com o “intuito de poupar dinheiro”. “Não é que se mandem embora os doentes que precisam de tratamento, mas a lista de espera é penalizada, até porque há limites. Aliás, combina-se no início do ano fazer um determinado número de intervenções, e se o hospital faz mais acaba por ser penalizado e não recebe por essas operações”, apontou. Para o médico também é muito preocupante a intenção anunciada às administrações e directores de serviço de reduzir pessoal.
Controlo baixa produtividade
Quanto ao controlo da assiduidade e pontualidade, Costa Almeida referiu que o sistema serve para retirar dinheiro ao Orçamento da Saúde para o colocar no “orçamento sempre da mesma empresa, que tem ganho milhões”. “É evidente que a implementação desse sistema vai redundar na baixa de produtividade”.
Pub PJ 21/9/2007

19.9.07

ACTO MÉDICO – desafio inadiável

Os tão mediatizados casos de reforma não atribuída a dois doentes do foro oncológico, entre outros, condicionam-se de forma indissociável a dois aspectos fundamentais. Assim:
- Juntas médicas - constituição e modo de funcionamento
- Acto médico
Quanto à questão das Juntas Médicas e aquando da instalação da polémica, anunciou o Dr. Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), estar em curso um plano de formação para os médicos que as integram.
Não pondo em causa a utilidade da referida formação, a mesma, contudo, não deixará de constituir uma falsa solução.
Com efeito, a cada vez maior diversidade de patologias, as suas sequelas, a interacção entre patologias eventualmente coexistentes, a valorização de cada uma delas em função das incapacidades instaladas ou prognosticamente a instalar, o grau destas mesmas incapacidades, a sua irreversibilidade ou reversibilidade por sua vez em função da terapêutica disponível, medicamentosa, cirúrgica, fisiátrica e outras aplicáveis, de forma isolada ou associadamente, o balanço e prognóstico funcional de cada doente, considerando a idade, profissão e ainda muitas outras diferentes variáveis, fazem com que numa elevada percentagem da população alvo, cada caso seja um caso diferente.
Assim, por muito completa que seja a preparação de cada médico ou cada Junta no seu todo, ficar-se-á muito aquém do necessário que assegure uma margem de erro clinicamente aceitável.
Se a este aspecto associarmos as pressões de diversa ordem, que vão da escassez do tempo de avaliação e consequente decisão (em muitos casos alguns minutos), agravadas pelo facto de na praticamente totalidade dos casos se estar pela primeira vez perante o doente, passando pela pressão política num sentido e, em sentido inverso a do próprio doente ou de quem tenta influenciar em seu favor, estão reunidos os necessários condimentos, para que o difícil seja não errar.
Assim, neste cenário, exceptuando os casos clinicamente mais objectivos, o erro em qualquer dos sentidos é tão inevitável quão propicio a relatórios mais para a "reforma" que para as Juntas Médicas, originando situações de flagrante injustiça, nada abonatórias para a classe médica, proporcionando as mais diversas especulações.
Como se referiu, sendo difícil não errar, o erro, quiçá o mais grosseiro, é na maioria dos casos humana e clinicamente justificável, nestas condições.
A alteração deste cenário, mais que um imperativo é uma urgência. Sendo a Junta Médica na sua dinâmica o cerne do problema, a proposta que se apresenta, aponta no sentido de vir a ser constituída, em meio hospitalar, por médicos especialistas envolvidos no processo de avaliação, em função da(s) patologia(s) referidas no respectivo relatório.
A decisão final seria tomada em conferência conjunta com o médico relator, dando-lhe assim a oportunidade de, se necessário, defender o seu próprio relatório.
Este modelo asseguraria inerentemente não só maior certeza e justiça decisória, mas também maior transparência, já que a estrutura de suporte está criada (especialidades hospitalares e respectivas consultas externas). É uma questão de a maximizar.

O ACTO MÉDICO

Há males que vêm por bem, desde que sobre o mal acontecido se faça a necessária reflexão e se tirem as devidas ilações.
Assim, por merecer e exigir tratamento em separado, de forma propositada, não se fez referência à situação autenticamente aberrante e absurda, resultante da ocupação da presidência das referidas Juntas por um elemento administrativo e, como se tal não bastasse, com voto de desempate.
É certo que tal situação está ultrapassada. Paradoxalmente, quem lhe pôs termos foi o próprio poder político que ao longo de todo este tempo, na sua permanente postura anti-médico, independentemente do aspecto partidário, sempre apadrinhou. Decidiu o poder político instituído, e bem, que doravante as Juntas Médicas seriam formadas exclusivamente por médicos. Todos lamentamos que tão tarde o tivesse feito ignorando os protestos da actual OM e a própria Recomendação N° 4/B/2006 do Provedor de Justiça.
Não fôra isto, a esmagadora maioria da classe médica e a própria população continuariam a pensar que as Juntas, quer por se chamarem médicas quer pelos seus objectivos, seriam constituídas exclusivamente por médicos, também exclusivamente autores das decisões médicas.
Viveu-se assim ao longo de todo este tempo numa autêntica situação de logro continuado, na qual inúmeras decisões do foro médico se transformaram em decisões de carácter administrativo, no mínimo, as respeitantes a casos em que foi necessário o voto de desempate, prerrogativa da presidência da respectiva Junta Médica.
Ficámos a saber termos estado, durante todo este tempo, perante a mais oportunística, despudorada e irresponsável usurpação de funções. Todavia, tal só foi possível pela subalternização passiva dos médicos, que de forma irreflectida a tal se sujeitaram.
Não querendo julgar ninguém pois, acredita-se, haverá casos justificáveis, tais situações exigem cabal esclarecimento, não só para obstar a cenários idênticos no futuro, mas essencialmente em nome da moralização que se impõe.
Assim, a questão do Acto Médico por determinante deverá de forma prioritária ser recolocada em cima da mesa com a firmeza e sustentabilidade argumentativa e factual que por autêntica inoperância (?) a OM, nas circunstâncias, não teve.
Mais que a salvaguarda de um autêntico problema de saúde pública e, como se viu, da própria justiça, coloca-se à OM este desafio, que por sua iniciativa já deveria ter encetado, na defesa dos mais elementares princípios ético-deontológicos. A população portuguesa subscrevê-lo-á. A classe médica deverá exigi-lo. O próprio poder político parece ter já começado a entender.
José Dias Pereira, Fisiatra HUC, APMCH
Pub TM online

12.9.07

COMENTÁRIO À LEI DA MOBILIDADE QUE SE ANUNCIA A APLICAR DE IMEDIATO À SAÚDE

Não nos espanta o que está prestes a passar-se. A ideia força no governo tem sido não gastar dinheiro com a saúde, reduzindo ao mínimo o que é fornecido pelo Estado às populações doentes. Em vez de se procurar manter a capacidade instalada no sector público e tirar mais proveito dela, desfaz-se o que há, agora até em termos de recursos humanos.
Mas já há muito dissemos que temíamos que a empresarialização da nossa saúde pública, nomeadamente dos hospitais (agora empresas), seguisse as regras das empresas "à portuguesa": face às dificuldades de gestão, não são os gestores os responsabilizados - começa-se por pagar mal ou deixar de pagar aos empregados, depois despedem-se os empregados, no fim fecha-se a empresa. Vamos dentro desse caminho.
E também receamos que essa mobilização, ou melhor, desmobilização, seja outro mecanismo para afastar mais, agora de maneira mais definitiva, para mais longe, todos os que sejam incómodos para a administração, por terem e emitirem a sua opinião, falarem, criticarem, mostrarem os podres, dizerem o que está mal ou é injusto. Quem não for "yes-man" poderá ter o seu futuro comprometido na função pública. Já se previa, está na lógica governamental, mas não deixa de ser preocupante a semelhança desta situação com outras de má memória no nosso país.