O LÍDER
O termo
“líder” vem do inglês “leader”, com origem no verbo “to lead”, que significa
guiar, dirigir, comandar. É frequentemente confundido com “chefe”, mas as duas
palavras não têm o mesmo significado, embora muitas vezes se possam aplicar com
justeza à mesma pessoa. E também “liderança”, conquanto signifique a capacidade
ou a acção do líder, também pode ser entendida de outra maneira, embora
derivando daquelas: quando é exercida por todos os membros dum grupo, sob o
estímulo do líder, cada um desenvolvendo as suas capacidades próprias e
pondo-as ao serviço da prossecução dos objectivos comuns.
Um líder é
reconhecido pelos seus pares, um chefe é-lhes imposto. Seria com certeza
desejável que líder e chefe dum grupo coincidissem no mesmo elemento, mas isso
nem sempre acontece, muitas vezes porque quem nomeia não é capaz de perceber
quem no grupo em questão tem a capacidade de o liderar, outras por não haver
mais ninguém disponível. Há anos, numa palestra sobre liderança no Departamento
de Formação Contínua aqui do Hospital, o prelector começou por perguntar: “Quem
é que se acha um líder?” Na assistência apenas dois levantaram um dedo. E ele
continuou, ignorando-os: “É assim, quem é líder não se apresenta como tal, os
outros é que o apontam”. Quer dizer, um líder é o membro dum grupo que tem a
capacidade reconhecida pelos seus companheiros de os influenciar, fazendo-os
eventualmente mudar de opinião e seguir a sua, para além de os conseguir
incentivar no trabalho e na procura de soluções para os problemas do conjunto. É
quem, na verdade, cria as condições para que o grupo avance, o que traça
caminhos e ajuda a rasgá-los; o chefe limita-se a segui-los, conduzindo os
outros. Por isso o líder não é forçosamente o que vai à frente, ou o que sabe
mais, ou o que faz mais e melhor; pode até ir atrás, orientando os companheiros,
estimulando-os, permitindo que os mais rápidos vão à frente e os mais lentos os
sigam com ânimo e sem desistirem. Nas palavras de Nelson Mandela, um líder
incontestável: “Um líder é como um pastor. Fica atrás do rebanho, deixando os
mais rápidos irem à frente, seguindo depois os outros, não percebendo que
durante o tempo todo estão a ser dirigidos da rectaguarda”.
Um aspecto
muito importante do líder é esse, o de conseguir que os mais aptos do grupo que
lidera se mostrem como tal e sejam colocados nos lugares certos para terem o
melhor desempenho que conseguirem, em benefício de todos. A brilhante
personagem televisiva do “eu é que sou o presidente da Junta”, além de risível,
exemplifica claramente o que um líder não deve ser. Recentemente, num concurso
para o lugar de topo da carreira médica, o júri perguntava ao candidato, já
director de Serviço há vários anos, por que razão tinha várias ajudas numa dada
intervenção cirúrgica mas nela não tinha sido nunca cirurgião. A resposta foi: ”Porque
há no meu Serviço quem a faça melhor do que eu”. É a atitude que se espera dum
líder.
“Ao dar
mais poder a outros, um líder não diminui o seu poder, em vez disso pode estar
a aumentá-lo - especialmente se toda a organização tiver melhor desempenho”,
palavras da Prof. Rosabeth Kanter, da Harvard Business School. E o mundialmente
conhecido Steve Jobs dizia: “O meu trabalho número 1 na empresa é certificar-me
que os trabalhadores no topo são realmente os melhores. Se assim for, tudo o
resto vai resolver-se por si mesmo e isso reflecte-se em toda a organização”.
No século XVI Nicolau Maquiavel escrevia, no seu extraordinário ensaio “O
Príncipe” (na verdade sobre liderança): “O primeiro método para avaliar a inteligência
de um governante é olhar para os homens que reuniu à sua volta”. Isto é, o
“presidente da Junta” escolhe os com menos qualidade que ele, para poder
sobressair no meio deles; o líder escolhe os melhores, até melhores que ele,
para fazer sobressair a sua obra.
Não é
sempre líder o mais carismático, o que melhor fala, o que desperta mais
interesse, fazendo que individualmente cada um queira ser como ele. Esse pode
não passar dum chefe palavroso e com ar convincente. O líder reconhece-se pelos
resultados que o grupo que lidera alcança, de acordo, naturalmente, com as
circunstâncias e os elementos que o constituem. É aquele que faz com que os
seus colaboradores se excedam no trabalho, façam o que gostam e o que não
gostam mas é preciso que façam, com satisfação e sem se aperceberem sequer
disso, envolvidos nos objectivos do grupo a que pertencem e que ele lidera. Truman
(presidente dos EUA) fazia notar que “a liderança é a capacidade de conseguir
que as pessoas façam o que não querem fazer e gostem de o fazer”. Por isso se diz atrás que a liderança é mais
do que o líder faz, ela é na verdade também exercida pelo grupo que ele lidera
e sob o seu estímulo. Andrew Carnegie (magnata do aço do início do século XX e que
se tornou num dos homens mais ricos do mundo) afirmava: “Ninguém será grande
líder se quiser fazer tudo sozinho, ou ter todos os louros por o ter feito”.
O conceito
de liderança define uma influência exercida sobre os outros que permite
incentivá-los a trabalhar com entusiasmo por um objectivo comum. Embora dependa
directamente do líder, este não deve ser considerado como parte única no
processo, sendo que os liderados também nele participam, desenvolvendo a sua
acção de forma eficiente. A liderança implica uma empatia criada entre o líder
e os liderados, pela qual estes o acompanham sem esforço aparente,
compreendendo-se todos emocionalmente, sentindo da mesma maneira. É, pois, totalmente
diferente de simplesmente mandar. Essa empatia, que se traduz numa espécie de
cumplicidade, é biunívoca, o líder não desrespeitando ou violentando os seus
companheiros de grupo, comungando com eles dos seus anseios, das suas dúvidas,
dos seus entusiasmos, conquistando-os desse modo para sua liderança e obtendo assim
os melhores resultados. A prepotência, às vezes pecha dalguns chefes, que
abusam da autoridade que lhes foi conferida, não é apanágio dos líderes. Dizia
Jean de La Bruyère que “os lugares de chefia fazem maiores os grandes homens, e
mais pequenos os pequenos homens”. O nosso povo diz: “se queres conhecer o
vilão, mete-lhe um caco na mão…”.
Paralelamente
ao respeito e consideração pelo seu grupo, o líder tem de ter a capacidade de
ouvir e aceitar as críticas que de dentro dele lhe façam, tendo-as em
consideração e discutindo-as, interagindo assim com os companheiros que o têm
como líder. Mais uma vez, alguns chefes “não se dão ao luxo” de o fazer. Mas,
de novo segundo Mandela, “os líderes sabem bem que a crítica construtiva no
seio das estruturas da organização, por mais agressiva que seja, é um dos
métodos mais eficazes de resolver problemas internos”. Essa interacção é muito
importante para os resultados conseguidos pela liderança. De acordo com o economista
Prof. Robert Townsend, “a maioria das pessoas nas grandes empresas são geridas,
não lideradas. São tratadas como pessoal, não como pessoas”, por chefes que não
são, obviamente, líderes e, por isso, a liderança nesses casos não existe.
O líder é o
estímulo, mas é também o refúgio e a esperança do grupo nos momentos difíceis. É
o elemento a quem os outros se acolhem e a quem recorrem naturalmente perante
as dificuldades sentidas colectivamente. É aquele de quem os outros esperam que
os conduza pelo meio dos escolhos e encontre um caminho de saída. No dizer de
Napoleão Bonaparte, “um líder é um vendedor de esperança”. “O líder acredita e
faz acreditar” (Rui Nabeiro).
A
capacidade de liderança é inata, é própria de quem é líder, não pode ser
adquirida, mas pode ser treinada e melhorada, como uma competência. Por isso é
razoável haver tantos artigos, palestras, opiniões expressas sobre ser líder e
liderança. Tudo isso chama a atenção para a sua importância nas organizações,
permite perceber a diferença entre ser chefiado e ser liderado, e leva a que
quem tem condições de liderança o possa assumir em plenitude. Muitas vezes são
as circunstâncias que fazem um líder mostrar-se como tal, e são elas sobretudo,
no seu tempo e no seu modo, que “criam” lideres, muito mais que quaisquer
cursos de liderança. Não é que estes sejam inúteis, servem sem dúvida para que
quem o é possa melhorar e aproveitar as suas capacidades, mas também para os
outros perceberem como podem e devem seguir um líder, contribuindo
positivamente para sua liderança sem se anularem nela.
Há, por
vezes, dentro duma organização, um ou vários líderes que não querem assumir
funções de chefia, por não pretenderem essa responsabilidade formal,
mantendo-se como líderes informais; funcionam então frequentemente, até de modo
involuntário, como guardiães das expectativas do grupo e contribuem para a sua
coesão. Enquanto que há quem, sem ser líder, se ponha em bicos dos pés para
chefiar. Como atrás se disse, o desejável é que chefe e líder coincidam nas
mesmas pessoas.
Finalmente,
de tudo o que fica dito sobre as qualidades gerais que um líder tem de ter para
o ser, compreende-se, porque as pessoas não são todas iguais, que haja diversos
tipos de líder, e de liderança, de acordo com a personalidade de cada um e as
suas circunstâncias e as do grupo onde está inserido. Poderemos ter, assim, liderança autocrática, democrática ou liberal. E perfis diferentes para
os próprios líderes, como: carismático, exigente, autocrático, liberal, visionário,
democrático, treinador, burocrático, transacional. Seja
como for, o líder e o exercício da liderança são definidos do modo enunciado
atrás, e avaliados sobretudo pelos resultados do colectivo liderado em questão.
Por vezes é visível a acção do líder durante a sua actuação, com líderes mais
carismáticos, noutras ela só se torna evidente quando ele se vai embora e a
liderança desaparece. Segundo Lao Tsé, “quando o líder efectivo dá o seu
trabalho por terminado, as pessoas dizem que tudo aconteceu naturalmente”. Até
parece que ele não fazia falta…
Carlos Costa Almeida
In Newsletter da Cirurgia C, Número 15, 31 de Dezembro de 2017. Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões) - CHUC
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