19.9.07

ACTO MÉDICO – desafio inadiável

Os tão mediatizados casos de reforma não atribuída a dois doentes do foro oncológico, entre outros, condicionam-se de forma indissociável a dois aspectos fundamentais. Assim:
- Juntas médicas - constituição e modo de funcionamento
- Acto médico
Quanto à questão das Juntas Médicas e aquando da instalação da polémica, anunciou o Dr. Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), estar em curso um plano de formação para os médicos que as integram.
Não pondo em causa a utilidade da referida formação, a mesma, contudo, não deixará de constituir uma falsa solução.
Com efeito, a cada vez maior diversidade de patologias, as suas sequelas, a interacção entre patologias eventualmente coexistentes, a valorização de cada uma delas em função das incapacidades instaladas ou prognosticamente a instalar, o grau destas mesmas incapacidades, a sua irreversibilidade ou reversibilidade por sua vez em função da terapêutica disponível, medicamentosa, cirúrgica, fisiátrica e outras aplicáveis, de forma isolada ou associadamente, o balanço e prognóstico funcional de cada doente, considerando a idade, profissão e ainda muitas outras diferentes variáveis, fazem com que numa elevada percentagem da população alvo, cada caso seja um caso diferente.
Assim, por muito completa que seja a preparação de cada médico ou cada Junta no seu todo, ficar-se-á muito aquém do necessário que assegure uma margem de erro clinicamente aceitável.
Se a este aspecto associarmos as pressões de diversa ordem, que vão da escassez do tempo de avaliação e consequente decisão (em muitos casos alguns minutos), agravadas pelo facto de na praticamente totalidade dos casos se estar pela primeira vez perante o doente, passando pela pressão política num sentido e, em sentido inverso a do próprio doente ou de quem tenta influenciar em seu favor, estão reunidos os necessários condimentos, para que o difícil seja não errar.
Assim, neste cenário, exceptuando os casos clinicamente mais objectivos, o erro em qualquer dos sentidos é tão inevitável quão propicio a relatórios mais para a "reforma" que para as Juntas Médicas, originando situações de flagrante injustiça, nada abonatórias para a classe médica, proporcionando as mais diversas especulações.
Como se referiu, sendo difícil não errar, o erro, quiçá o mais grosseiro, é na maioria dos casos humana e clinicamente justificável, nestas condições.
A alteração deste cenário, mais que um imperativo é uma urgência. Sendo a Junta Médica na sua dinâmica o cerne do problema, a proposta que se apresenta, aponta no sentido de vir a ser constituída, em meio hospitalar, por médicos especialistas envolvidos no processo de avaliação, em função da(s) patologia(s) referidas no respectivo relatório.
A decisão final seria tomada em conferência conjunta com o médico relator, dando-lhe assim a oportunidade de, se necessário, defender o seu próprio relatório.
Este modelo asseguraria inerentemente não só maior certeza e justiça decisória, mas também maior transparência, já que a estrutura de suporte está criada (especialidades hospitalares e respectivas consultas externas). É uma questão de a maximizar.

O ACTO MÉDICO

Há males que vêm por bem, desde que sobre o mal acontecido se faça a necessária reflexão e se tirem as devidas ilações.
Assim, por merecer e exigir tratamento em separado, de forma propositada, não se fez referência à situação autenticamente aberrante e absurda, resultante da ocupação da presidência das referidas Juntas por um elemento administrativo e, como se tal não bastasse, com voto de desempate.
É certo que tal situação está ultrapassada. Paradoxalmente, quem lhe pôs termos foi o próprio poder político que ao longo de todo este tempo, na sua permanente postura anti-médico, independentemente do aspecto partidário, sempre apadrinhou. Decidiu o poder político instituído, e bem, que doravante as Juntas Médicas seriam formadas exclusivamente por médicos. Todos lamentamos que tão tarde o tivesse feito ignorando os protestos da actual OM e a própria Recomendação N° 4/B/2006 do Provedor de Justiça.
Não fôra isto, a esmagadora maioria da classe médica e a própria população continuariam a pensar que as Juntas, quer por se chamarem médicas quer pelos seus objectivos, seriam constituídas exclusivamente por médicos, também exclusivamente autores das decisões médicas.
Viveu-se assim ao longo de todo este tempo numa autêntica situação de logro continuado, na qual inúmeras decisões do foro médico se transformaram em decisões de carácter administrativo, no mínimo, as respeitantes a casos em que foi necessário o voto de desempate, prerrogativa da presidência da respectiva Junta Médica.
Ficámos a saber termos estado, durante todo este tempo, perante a mais oportunística, despudorada e irresponsável usurpação de funções. Todavia, tal só foi possível pela subalternização passiva dos médicos, que de forma irreflectida a tal se sujeitaram.
Não querendo julgar ninguém pois, acredita-se, haverá casos justificáveis, tais situações exigem cabal esclarecimento, não só para obstar a cenários idênticos no futuro, mas essencialmente em nome da moralização que se impõe.
Assim, a questão do Acto Médico por determinante deverá de forma prioritária ser recolocada em cima da mesa com a firmeza e sustentabilidade argumentativa e factual que por autêntica inoperância (?) a OM, nas circunstâncias, não teve.
Mais que a salvaguarda de um autêntico problema de saúde pública e, como se viu, da própria justiça, coloca-se à OM este desafio, que por sua iniciativa já deveria ter encetado, na defesa dos mais elementares princípios ético-deontológicos. A população portuguesa subscrevê-lo-á. A classe médica deverá exigi-lo. O próprio poder político parece ter já começado a entender.
José Dias Pereira, Fisiatra HUC, APMCH
Pub TM online

Sem comentários: