4.7.07

Sobre o Relatório final da Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do SNS

A leitura deste relatório deixa nos portugueses envolvidos profissionalmente nos assuntos da medicina e da saúde uma grande amargura e um pessimismo sobre se haverá realmente capacidade de quem a deveria ter para resolver adequadamente estes problemas. Por um lado, admite-se que no nosso país os cuidados de saúde dos cidadãos têm de assentar no Estado, uma vez que grande parte deles não são apetecíveis para os grupos económicos investindo nessa área mas procurando apenas ocupar o que pode ser rentável daquilo que o SNS vai deixando a descoberto. Por outro, afirma-se a cada passo que o Estado não pode gastar dinheiro com a saúde e que deve ter uma função sobretudo reguladora e financiadora, estando a prestadora a cargo de entidades contratadas; como se essas entidades não tivessem como fim justificativo da sua existência o lucro, o que necessariamente irá encarecer os cuidados prestados. Que terão de ser pagos, não pelo Estado – que já se disse que não tem dinheiro para tal – mas directamente pelos cidadãos, que entretanto já pagaram os seus impostos. E sobretudo pelos cidadãos mais doentes, que são esses que cometem o “crime” de mais vezes recorrerem às instituições de saúde. Quer dizer, para tornar um sistema de saúde sustentável vamos torná-lo mais caro… E a função social do Estado é aqui pouco citada, já que se deve estar a contar com uma mudança da nossa Constituição…
Fica a noção de baralhada. Em que se está a tornar um sistema de saúde que era dos melhores do mundo, e cujo custo só chegou aos 10% do PIB porque o nosso PIB quase parou de crescer há vários anos. A verdade é que o custo da nossa saúde, em valor absoluto, era o mais baixo da Europa dos 15, antes de tudo isto. Muitas alterações na gestão do sistema foram já feitas em nome da sua eventual falta de sustentabilidade, e esta parece cada vez mais difícil de alcançar. Com alterações manifestamente limitativas da sua qualidade e dos cuidados prestados aos cidadãos doentes. E com a destruição de toda uma estruturação que controlava e implementava a qualidade do exercício e a formação dos médicos, o que de todas as consequências negativas foi a pior, de repercussões gravíssimas a médio prazo e até agora ostensivamente ignorada pelo poder porque de muito difícil correcção dentro do novo sistema criado.
Em que ficamos? Parece que o que se está a fazer é poupar nos cuidados de saúde – razão de ser de todo o sistema – e gastar cada vez mais com a parte administrativa, cuja função primordial no sistema é impedir de se gastar dinheiro com os doentes. A preocupação parece ser maior com a sustentabilidade do ministério da saúde e seus agentes nas instituições do que com a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
TM 2-6-2007 resumo, versao integral ed. on-line

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