A EMPATIA NÃO DEVE SER UMA
PALAVRA VÃ
Uma familiar dum paciente nosso escreveu no Livro de Reclamações do nosso
Hospital um texto agradecido e elogioso acerca do nosso Serviço, de que destaco
o fragmento que se segue. “No momento de dor perante morte anunciada
de um ente querido, é importantíssimo, para o alívio do sofrimento da família,
existir momento de diálogo com os profissionais mais presentes junto do doente
(enfermeiros). Sem dúvida estes devem marcar a diferença no cuidar, quando
acolhem e escutam preocupações da família. Hoje, olhando para trás, relembro as
palavras destes profissionais e sinto necessidade de pedir à administração
deste hospital que reforce estes profissionais de saúde, de modo a que
disponham de tempo para cuidar do doente, ou seja, para não haver falta de
cuidados e conforto a este por falta de pessoal e ao mesmo tempo para a família
a nível de “apoio” numa fase de tão elevado sofrimento para
todos”. É de empatia que aqui se fala.
Empatia é a capacidade de se entender a emoção dos outros, de
compreendermos os seus sentimentos em cada altura, procurando nós
experimentá-los de forma objectiva e racional como se estivéssemos na mesma
situação vivenciada por eles. É compartilhar a dor psicológica dos outros, é
saber ouvi-los sem julgar, sentindo-nos no seu lugar e transmitindo-lhes essa
sensação. A empatia assim estabelecida ajuda a compreender melhor o seu
comportamento e motivações em determinadas circunstâncias, e a forma como tomam
decisões. E orientar a terapêutica de acordo com isso. E leva à confiança do
doente no seu médico, sentimento que contribui seguramente para se conseguirem
melhores resultados. Isto não por razões estritamente psicológicas,
no sentido de imateriais, ou morais, porque o “humanismo é bom”, mas por razões
bioquímicas, muitas delas ainda não estudadas e que apenas se entrevêem,
através do que podemos globalmente chamar endorfinas, e que aumentarão a
capacidade de resistência do organismo à doença, levando com mais facilidade à
sua recuperação face à agressão patológica sofrida.
Já em artigo anterior nesta Newsletter foi abordada a empatia como parte
integrante da relação médico-doente. Esta é uma relação profissional, e assim
se deve manter, porque é a relação entre um profissional e o objecto do seu
trabalho: o doente. O médico deve tratar os seus doentes da melhor
maneira possível, com toda a sua capacidade, recorrendo a tudo o que aprendeu e
sabe fazer, sempre com o maior empenho e aplicação, fazendo o máximo por eles,
embora, naturalmente, possa ser limitado pelas condições que lhe fornecem no
seu local de trabalho, ou pela falta delas. Na sua actuação deve manter a
cabeça fria, usar toda a objectividade, seguindo a táctica que achar melhor e
empregando a técnica mais adequada, sem permitir que a sua possível
afectividade pelo doente lhe tolha isso tudo. O médico não deve tratar
pacientes por quem tenha sentimentos profundos, sejam positivos, sejam
negativos, e se o fizer terá de redobrar de cuidados, para não os
prejudicar.
Significa isto que não é um dever ter simpatia pelos doentes e seus
familiares. Nem poderia ser assim, porque desse modo só iriam ser tratados
adequadamente aqueles que nos fossem simpáticos! E sendo os doentes – tal como
os profissionais de saúde, aliás – uma amostragem da população geral, há-os de
todos os tipos, uns dignos de simpatia, outros antes pelo contrário. E todos
devem ser tratados da melhor maneira possível. Não se fale, pois, de simpatia
ou antipatia na relação entre médicos e doentes, ou cuidadores e cuidados, mas
sim de empatia.
O esforço pessoal e activo para estabelecer empatia com quem é tratado tem
de fazer parte integrante do profissionalismo de quem trata, e ela deve ser
treinada, e mantida, e depois aperfeiçoada ao logo da vida profissional. Neste
aspecto, é crucial que quem trata doentes tenha em conta as suas emoções, bem
como dos que lhes são queridos e os acompanham de perto nessa hora de
preocupação e sofrimento, as compreendam, as sintam, comunguem com elas,
embora, e isto é fundamental, sem se consumirem nelas. É muito importante que
os pacientes e seus familiares sintam essa compreensão e essa sintonia, e que
existe preocupação e vontade de ajudar, e que tudo isso seja feito sem se
perder o sangue frio e, para tal, o distanciamento afectivo
necessário.
Estabelecer empatia com o doente implica conversar com ele, ouvi-lo,
questioná-lo, olhá-lo nos olhos, mostrar-lhe que estamos ali, diante dele, a
procurar entendê-lo e ajudá-lo. Mais, que o vamos ajudar e acompanhar no
esforço que vai ter de fazer até ficar curado. E é importante tentar
perceber os seus receios e procurar fazê-los desaparecer ou atenuar,
não dando falsas esperanças mas nunca as tirando por completo. A empatia com o
doente é, na verdade, uma arte, fácil e intuitiva para alguns, mais complexa
para outros, mas todos a devem procurar atingir e melhorar. Porque ela é
fundamental quando se lida com pessoas, neste caso pessoas doentes, e com
estas a parte científica e tecnológica da medicina, só por si, é pouco.
É claro que para se estabelecer empatia é preciso um contacto pessoal
suficientemente estreito, e prolongado, e isso num hospital implica estar o
tempo necessário na enfermaria, junto dos doentes e dos seus familiares. E que
cada doente possa identificar, dentre o conjunto dos médicos do Serviço, o ou
os que são “os seus” médicos, que com ele lidam diariamente na sua doença e no
seu internamento, a quem apresentam em primeira mão as suas queixas, e a quem
os familiares se podem mais directamente dirigir. Por maioria de razão, é com
os enfermeiros que o contacto é mais constante, pois são eles quem está
presente a todas as horas na enfermaria. Por isso a função dos enfermeiros é
muito importante na relação empática com os pacientes internados. E é a este
propósito, aliás, que é o texto escrito nas Reclamações do Hospital, e que
serve de mote a este editorial. Texto elogioso e agradecido, sim, mas que,
lucidamente, exorta o Conselho de Administração a tomar pró-activamente as
medidas necessárias para se poderem manter as condições para os doentes serem
tratados da melhor maneira possível, incluindo no aspecto de que aqui estamos
a falar.
É preciso que o número de profissionais seja o necessário, e que, no caso
dos enfermeiros, permita que a equipa que contacta com cada doente seja
consistentemente a mesma, não sendo obrigada a mudar diariamente e assim
impedir aquelas longas conversas que a autora do texto refere, com
os doentes e ouvindo e acolhendo as preocupações da família. E essa
acção dos enfermeiros, muito para lá do seu trabalho puramente técnico, mas
incluída no seu conteúdo profissional, tem um alcance que vai muito além da
parte humanitária que é elogiada naquela “reclamação”: ela, na verdade, deve
preparar os doentes para o que lhe vai acontecer no hospital e logo após a
alta, e desse modo contribui, e dum modo hoje considerado quase decisivo, para
uma melhor evolução durante o internamento e um mais rápido restabelecimento
após sair. Aliás, é um dos pilares a não esquecer na ERAS (enhanced recovery
after surgery). A qual alguns conselhos de administração aplaudem com
entusiasmo, pensando nos possíveis internamentos mais curtos, mas nada fazem na
realidade para implementar!
Em suma, tudo a propósito de empatia, e do modo como neste Serviço ela se consegue estabelecer com os doentes, pesem embora as condições para isso cada vez mais difíceis criadas entre nós. Todos os doentes são importantes, naturalmente, mas é bom que possamos transmitir a cada um e à sua família que, se não é o único que temos para cuidar, é com certeza o que nos monopoliza o esforço e a preocupação profissional. E, com ele, todos e cada um dos outros. E saber que não acontece neste Serviço o que sei que aconteceu noutro, em que, face à preocupação insistente e angustiada do marido duma doente mal, ainda por cima agravada por uma pneumonia nosocomial nesse seu internamento, o director, enfadado, lhe disse: “Sabe, esta doente para si é a sua esposa, mas para nós é apenas mais um número... E temos muitos!”. Porque não, porque empatia não é isso.
Carlos Costa Almeida
In Newsletter da Cirurgia C, Número 22, Julho 2018, Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)-CHUC
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