COIMBRA, A SAÚDE E A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Carlos Costa Almeida
Coimbra é uma cidade universitária há mais de sete séculos, com uma marcada
importância da Saúde na sua actividade, e que ainda há uns anos era tão grande
que lhe chamaram “capital da saúde”. A
esse nível era dotada de dois dos Hospitais Gerais Centrais de Portugal, o
Hospital da Universidade (HUC) e o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC),
referência cada um em várias áreas da Medicina e da Cirurgia, e, por isso,
atraindo a Coimbra profissionais de saúde, doentes, professores, investigadores,
estudantes. E foi desta cidade, com esse peso e esse reconhecimento na Saúde
nacional, que dois homens conduziram directamente a criação do Serviço Nacional
de Saúde (SNS): o Dr. António Arnaud e o Professor Mário Mendes.
Mas Coimbra não conseguiu manter a riqueza que tinha. Desconsiderada por
governantes, aquelas duas instituições coimbrãs sofreram um rude golpe quando
foi resolvido que iriam desaparecer, engolidas por uma fusão num chamado
“centro hospitalar”… mas dum hospital só! E assim surgiu o Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra (CHUC), o qual, na prática, mais não passou a ser que
o antigo HUC, mas sozinho, sem a presença na cidade do outro, o Hospital dos
Covões, parte fulcral do extinto CHC. Esse, progressivamente eliminado como
Hospital, desactivado enquanto tal passo a passo, desaproveitada e destruída a
sua capacidade instalada, foi transformado numa espécie de nada, que é o que é
uma estrutura que vai servindo de muleta ao outro Hospital que, assoberbado com
muito mais trabalho e utentes do que tinha, se esforça com dificuldade por
cumprir a obrigação que era de dois hospitais centrais públicos. E, por isso, as
dificuldades redobradas, o desencanto, os atrasos, as listas de espera, as
esperas e as falhas na Urgência, os exames, as consultas e as cirurgias
realizados quando podem ser e fora do Hospital… E “inaugurações” nos Covões do
que já lá funcionava há muitos anos mais não é que sinal de encerramento dessa
actividade no HUC! Quer dizer, redução dos serviços públicos em matéria de
cuidados de saúde hospitalares oferecidos aos utentes de Coimbra e da Região
Centro.
Essa progressiva desactivação do polo de saúde do Hospital dos Covões, na
margem oposta à do HUC, fora do centro da cidade, com espaço para crescer e
acessos fáceis, fez concentrar a Saúde no polo HUC, ele próprio também perto
doutro Hospital, esse especializado, o IPO. E assim se concentrou tudo em
Celas, no meio de Coimbra, com as dificuldades acrescidas de acesso e de
estacionamento que se reconhecem há muito tempo. Com o ainda maior agravamento
pela projectada construção duma maternidade em cima do espaço esgotado do HUC!
Em vez de se manter o que Bissaya Barreto tinha concebido, e conseguido, para a
cidade, isto é, dois polos de saúde, um em cada margem, um deles na periferia,
que é por onde as cidades crescem, fez-se convergir tudo para um ponto central
e sem capacidade de expansão. Como se a real e canhestra intenção fosse atrofiar
o que durante anos notabilizou Coimbra no plano nacional, com reconhecimento
internacional: a sua actividade em Saúde.
E é o que temos. Mas
em 2020, face a esta evolução desastrosa dos cuidados de saúde hospitalares da
cidade, surgiu uma Petição “Pela devolução da autonomia ao Hospital dos Covões como
Hospital Geral Central - Porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito
e um dever”, dirigida à Assembleia da República, que a recebeu. Foi discutida
e avaliada pela Comissão Parlamentar de Saúde, para o que foram ouvidos dois dos peticionários
(por duas vezes), os três presidentes do conselho de administração do CHUC
desde a sua criação em 2012, a presidente da ARS Centro e os dois últimos
ministros da saúde. Foi depois elaborado pelo relator dessa Comissão um
relatório, aprovado por unanimidade, dando razão total ao peticionado, relatório
esse que foi apresentado publicamente no jardim do Hospital dos Covões, porque
a sua apresentação no auditório do Hospital foi negada pelo actual conselho de
administração do CHUC.
E ficou-se à espera da sua apresentação e votação em plenário da Assembleia
da República. Que vai finalmente ter lugar no dia 30 de Novembro de 2022. Dois
anos e meio depois.
Veremos o que a Assembleia da República, agora com uma maioria absoluta dum
partido, pensa e decide sobre a Saúde em Coimbra. Quando é cada vez mais
evidente que o caminho certo da Saúde em Coimbra e na Região Centro é o
contrário do que foi tomado, e é o que a Petição a votar solicita, AUTONOMIA
PARA O HOSPITAL DOS COVÕES COMO HOSPITAL GERAL CENTRAL, porque o acesso de
todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever:
“Desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
pela junção do Centro Hospitalar de Coimbra (onde se engloba o Hospital dos
Covões) com o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC), que se tem assistido
não a uma fusão mas a uma destruição de um hospital central. Sem qualquer razão
assistencial, social, urbanística, científica, ou outra razão aceitável, o
Hospital dos Covões tem sido progressivamente desprovido de recursos humanos e
recursos materiais, despido de serviços médicos, reduzindo significativamente a
capacidade de prestar cuidados de saúde com a qualidade que habituou a
população. A centralização de cuidados e serviços médicos não foi solução,
apenas trouxe dificuldade no acesso (listas de espera enormes), o “amontoar” de
doentes num só hospital sem aparente capacidade de resposta, a redução da
qualidade e um risco acrescido para os doentes e profissionais.
Se o Hospital dos Covões já tivesse sido encerrado, o colapso da saúde em
Coimbra teria sido muito maior do que foi nesta era COVID. Sim, foi o Hospital
dos Covões o epicentro do combate à pandemia em Coimbra. É preciso aprender com
os erros de gestão em saúde do passado, para que o presente não se repita no
futuro.
É imperativo reverter a "pseudo" fusão do Hospital dos Covões com
o HUC, restabelecendo a autonomia e a capacidade que estava há anos instalada
naquele hospital central e que resolvia todos os problemas de saúde da
população que a ele recorria. Os trabalhadores do Hospital dos Covões estão tristes,
desmotivados e revoltados pelo reiterado assédio moral a uma instituição com 47
anos de existência, que é acarinhada por profissionais e doentes. Insistir na
continuação desta fusão é continuar a insistir na negligencia de gestão em
saúde que se assiste em Coimbra há anos, e num crime contra o direito
constitucional do acesso a cuidados de saúde. É um dever do poder político
assegurar que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de
qualidade e atempados num serviço público. Um Hospital dos Covões a funcionar
em pleno é essencial para se cumprir esse dever, continuar a destruí-lo é um
crime que lesa a pátria.
Por tudo isto e muito mais: Dizemos SIM ao Hospital dos Covões!”