tag:blogger.com,1999:blog-325484692024-03-13T06:53:55.926+00:00Médicos de Carreira HospitalarEste é o blog da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar. Um local na net onde a vida profissional dos médicos hospitalares do nosso país encontra eco e tradução. Um local aberto a todos os nossos associados, para exporem as suas ideias, opiniões, dificuldades, sugestões, sobre o seu dia-a-dia profissional, sobre o que ele é e sobre o que gostariam que ele fosse. Num momento de agitação na saúde em Portugal que põe em causa as próprias carreiras médicas.Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.comBlogger99125tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-10579459446530636272022-11-22T13:13:00.003+00:002022-11-22T13:13:22.897+00:00<p> <b style="text-align: center;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT;">COIMBRA, A SAÚDE E A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA</span></b></p><p><span style="text-align: center;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><i>Carlos Costa Almeida</i></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT;">Coimbra é uma cidade universitária há mais de sete séculos, com uma marcada
importância da Saúde na sua actividade, e que ainda há uns anos era tão grande
que lhe chamaram “capital da saúde”.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A
esse nível era dotada de dois dos Hospitais Gerais Centrais de Portugal, o
Hospital da Universidade (HUC) e o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC),
referência cada um em várias áreas da Medicina e da Cirurgia, e, por isso,
atraindo a Coimbra profissionais de saúde, doentes, professores, investigadores,
estudantes. E foi desta cidade, com esse peso e esse reconhecimento na Saúde
nacional, que dois homens conduziram directamente a criação do Serviço Nacional
de Saúde (SNS): o Dr. António Arnaud e o Professor Mário Mendes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT;">Mas Coimbra não conseguiu manter a riqueza que tinha. Desconsiderada por
governantes, aquelas duas instituições coimbrãs sofreram um rude golpe quando
foi resolvido que iriam desaparecer, engolidas por uma fusão num chamado
“centro hospitalar”… mas dum hospital só! E assim surgiu o Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra (CHUC), o qual, na prática, mais não passou a ser que
o antigo HUC, mas sozinho, sem a presença na cidade do outro, o Hospital dos
Covões, parte fulcral do extinto CHC. Esse, progressivamente eliminado como
Hospital, desactivado enquanto tal passo a passo, desaproveitada e destruída a
sua capacidade instalada, foi transformado numa espécie de nada, que é o que é
uma estrutura que vai servindo de muleta ao outro Hospital que, assoberbado com
muito mais trabalho e utentes do que tinha, se esforça com dificuldade por
cumprir a obrigação que era de dois hospitais centrais públicos. E, por isso, as
dificuldades redobradas, o desencanto, os atrasos, as listas de espera, as
esperas e as falhas na Urgência, os exames, as consultas e as cirurgias
realizados quando podem ser e fora do Hospital… E “inaugurações” nos Covões do
que já lá funcionava há muitos anos mais não é que sinal de encerramento dessa
actividade no HUC! Quer dizer, redução dos serviços públicos em matéria de
cuidados de saúde hospitalares oferecidos aos utentes de Coimbra e da Região
Centro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT;">Essa progressiva desactivação do polo de saúde do Hospital dos Covões, na
margem oposta à do HUC, fora do centro da cidade, com espaço para crescer e
acessos fáceis, fez concentrar a Saúde no polo HUC, ele próprio também perto
doutro Hospital, esse especializado, o IPO. E assim se concentrou tudo em
Celas, no meio de Coimbra, com as dificuldades acrescidas de acesso e de
estacionamento que se reconhecem há muito tempo. Com o ainda maior agravamento
pela projectada construção duma maternidade em cima do espaço esgotado do HUC!
Em vez de se manter o que Bissaya Barreto tinha concebido, e conseguido, para a
cidade, isto é, dois polos de saúde, um em cada margem, um deles na periferia,
que é por onde as cidades crescem, fez-se convergir tudo para um ponto central
e sem capacidade de expansão. Como se a real e canhestra intenção fosse atrofiar
o que durante anos notabilizou Coimbra no plano nacional, com reconhecimento
internacional: a sua actividade em Saúde.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E é o que temos. Mas
em 2020, face a esta evolução desastrosa dos cuidados de saúde hospitalares da
cidade, surgiu uma Petição “Pela devolução da autonomia ao Hospital dos Covões como
Hospital Geral Central - </span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">Porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito
e um dever”, </span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">dirigida à Assembleia da República, que a recebeu. Foi discutida
e avaliada pela Comissão Parlamentar de Saúde, </span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">para o que foram ouvidos dois dos peticionários
(por duas vezes), os três presidentes do conselho de administração do CHUC
desde a sua criação em 2012, a presidente da ARS Centro e os dois últimos
ministros da saúde. Foi depois elaborado pelo relator dessa Comissão um
relatório, aprovado por unanimidade, dando razão total ao peticionado, relatório
esse que foi apresentado publicamente no jardim do Hospital dos Covões, porque
a sua apresentação no auditório do Hospital foi negada pelo actual conselho de
administração do CHUC.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">E ficou-se à espera da sua apresentação e votação em plenário da Assembleia
da República. Que vai finalmente ter lugar no dia 30 de Novembro de 2022. Dois
anos e meio depois. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">Veremos o que a Assembleia da República, agora com uma maioria absoluta dum
partido, pensa e decide sobre a Saúde em Coimbra. Quando é cada vez mais
evidente que o caminho certo da Saúde em Coimbra e na Região Centro é o
contrário do que foi tomado, e é o que a Petição a votar solicita, AUTONOMIA
PARA O HOSPITAL DOS COVÕES COMO HOSPITAL GERAL CENTRAL, porque o acesso de
todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">“Desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
pela junção do Centro Hospitalar de Coimbra (onde se engloba o Hospital dos
Covões) com o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC), que se tem assistido
não a uma fusão mas a uma destruição de um hospital central. Sem qualquer razão
assistencial, social, urbanística, científica, ou outra razão aceitável, o
Hospital dos Covões tem sido progressivamente desprovido de recursos humanos e
recursos materiais, despido de serviços médicos, reduzindo significativamente a
capacidade de prestar cuidados de saúde com a qualidade que habituou a
população. A centralização de cuidados e serviços médicos não foi solução,
apenas trouxe dificuldade no acesso (listas de espera enormes), o “amontoar” de
doentes num só hospital sem aparente capacidade de resposta, a redução da
qualidade e um risco acrescido para os doentes e profissionais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">Se o Hospital dos Covões já tivesse sido encerrado, o colapso da saúde em
Coimbra teria sido muito maior do que foi nesta era COVID. Sim, foi o Hospital
dos Covões o epicentro do combate à pandemia em Coimbra. É preciso aprender com
os erros de gestão em saúde do passado, para que o presente não se repita no
futuro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">É imperativo reverter a "pseudo" fusão do Hospital dos Covões com
o HUC, restabelecendo a autonomia e a capacidade que estava há anos instalada
naquele hospital central e que resolvia todos os problemas de saúde da
população que a ele recorria. Os trabalhadores do Hospital dos Covões estão tristes,
desmotivados e revoltados pelo reiterado assédio moral a uma instituição com 47
anos de existência, que é acarinhada por profissionais e doentes. Insistir na
continuação desta fusão é continuar a insistir na negligencia de gestão em
saúde que se assiste em Coimbra há anos, e num crime contra o direito
constitucional do acesso a cuidados de saúde. É um dever do poder político
assegurar que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de
qualidade e atempados num serviço público. Um Hospital dos Covões a funcionar
em pleno é essencial para se cumprir esse dever, continuar a destruí-lo é um
crime que lesa a pátria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: Calibri;">Por tudo isto e muito mais: Dizemos SIM ao Hospital dos Covões!”<o:p></o:p></span></p>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-32989446354880557072018-08-21T16:23:00.013+00:002022-10-16T22:31:44.729+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 12pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: center;"><div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 12pt; mso-line-height-rule: exactly;"><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 12pt;"><b><span lang="PT" style="font-family: "Times",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">MEDICINA E CIÊNCIA</span></b><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">É conhecido o aforismo segundo o qual um médico tem de
estudar toda a vida. E isso é inegável, pela parte científica da profissão. O
que ontem era verdade, hoje pode não ser, e amanhã ser de modo totalmente
diferente, com repercussões decisivas obrigatórias na nossa prática médica, na
maneira de estudar e tratar os nossos doentes. Há que manter o passo com essa
evolução da ciência, e para isso há que estar muito atentos a ela, e estudar, e
ler, e ver, muito, com método, como obrigação, com o desígnio profissional de
aperfeiçoamento, de aprender o mais possível para benefício dos doentes que a
nós recorrem.</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">E isto não é retórica, como alguns - poucos, espero -
parece pensarem, ao considerarem totalmente ultrapassado o médico “dedicar a
vida à medicina”, ainda por cima num mundo com tantos mais atractivos à mão de
semear e sem terem nada que ver com o nosso trabalho. E não se trata de “a
medicina ser um sacerdócio”, que é óbvio que não é, no sentido de se cuidar dos
doentes benemeritamente e por razões morais. Pelo contrário, a Medicina é uma
profissão, e em qualquer uma só se pode ser realmente bom se nos dedicarmos a
ela de alma e coração, ou de corpo e alma. Que outra coisa, afinal, faziam os supercampeões
olímpicos de natação Mark Spitz e Michael Phelps quando treinavam sete horas
por dia, ou fazem e faziam os grandes futebolistas como Ronaldo, Eusébio, Pelé,
e tantos outros dos melhores, sempre os primeiros a chegar aos treinos e os
últimos a sair? Em todas as profissões – porque é de profissões que estamos a
falar – há com certeza os que têm individualmente mais jeito, ou mais
capacidade, que outros, mas isso não impede que não tenham todos de se esforçar
e aprender. Ninguém nasce ensinado, embora alguns possam aprender e evoluir
mais depressa que os seus colegas, e haja sempre profissionais mais capazes que
outros; o que não pode haver é maus profissionais. E não em Medicina por
maioria de razão, já que lidamos com a vida dos nossos semelhantes.</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Como dizia um conhecido empresário de muito sucesso no
nosso país, o êxito resulta de 10% de inspiração e 90% de
transpiração… Na profissão médica não é diferente, nos seus dois
componentes, arte e ciência. Aprende-se, treina-se, pratica-se, desenvolve-se.
Uns com mais facilidade, outros com menos, mas sempre com um desejo
constante de aperfeiçoamento, de melhores resultados, muitos dedicando-lhe a
sua vida profissional, e tirando dela muito prazer, de dever cumprido, de
realização pessoal, procurando ser os melhores possível. Mas há alguns outros,
no entanto, que se contentam com a mediania, ou nem isso, limitando-se a não
ser maus, porque nesta profissão a incompetência não pode ser permitida, e tem
de ser impedida, e mesmo penalizada. </span><span style="mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">No dizer de Sir William Osler, “<i>It
is astonishing with how little reading a doctor can practice medicine, but it
is not astonishing how badly he may do it”</i>.</span><span style="mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Seja como for, e enquanto profissão, portanto fonte de
rendimento, quanto melhor se for nela, mais se ganhará. Mesmo com as excepções
que sempre confirmam a regra, não há como pensar doutro modo: os melhores
ganharão mais. Com um senão importante: nesta profissão quem ganha mais também
trabalha mais, ou tem essa possibilidade, ao contrário dos menos procurados. Se
não se quiser ganhar a vida assim, há outras profissões…</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">No que respeita ao contacto com os doentes, a mente
humana, e a sua psicologia, têm-se mantido inalteradas, o que faz com que
observações nessa área feitas há milhares de anos colham perfeitamente no momento
actual. Já as sociedades, evoluíram, modificaram-se, a noção do que nelas é
normal foi-se alterando, e por isso a realidade de cada época vai sendo
diferente, o que tem de ser tomado em conta pelo médico frente aos pacientes,
sem dúvida. Tem de se manter o passo também do ponto de vista sociológico, se
quisermos estabelecer empatia com cada doente.</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Mas os conhecimentos científicos é que mudam mais, e
temos de lhes procurar activamente as mudanças. Para isso é fundamental
adquirir primeiro uma forte base de conhecimentos médicos, que constituam uma
boa cultura médica que enforme o nosso saber profissional, e sobre ela irmos
então desenvolvendo mais umas áreas que outras, sem deixar de lado as ligações
existentes, permitindo avançar mais longe em cada uma delas e no todo. Porque
conhecer muito bem uma área, mas totalmente desenquadrada do resto do complexo,
é limitativo e condena a repetir-se o mesmo sem conseguir grande
progresso, por falta de <i>inputs</i> e <i>skills</i> obtidos
fora da área monótona e exaustivamente repetida. Sendo certo, também, no
entanto, que a repetição melhora o desempenho do acto repetido.</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">O que caracteriza a ciência é a incerteza. Não há
verdades científicas imutáveis; há é verdades científicas que não mudaram,
ainda. E o progresso vai-se fazendo, com avanços e recuos, observação, registo,
investigação. Há que ter um conhecimento científico sólido, sobre o qual se vão
inscrevendo, de espírito aberto mas crítico, as mudanças. Se normas são para
cumprir, enquanto não houver outras, <i>guidelines</i> são apenas
isso, linhas de orientação, e resoluções por consenso estão longe de ser lei,
significam apenas que num grupo específico ninguém votou contra elas. Perigosos
são os que não sabem o básico e embandeiram em arco com “descobertas”
desencantadas num artigo ocasional, ou afirmações definitivas de grupos sem
confirmação científica, e que querem de imediato aplicar na prática, e mais,
invectivam, como atrasados e ignorantes, os que, cautelosamente e porque têm
substrato no assunto, têm dúvidas em o fazer.</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">E terminemos com este último aspecto, o da agressividade
interpares na medicina e na ciência. É um fenómeno que parece estar a aumentar,
e que interessa reconhecer e tentar perceber para se poder combater, por
profundamente negativo. Dum artigo apresentado no <i>blog Surgical
Thoughts</i> (*), a agressividade entre médicos “…em alguns casos é uma
forma de defesa pela ignorância quanto ao caso em concreto, o não saber o que
fazer, e por isso não se querer comprometer a expressar uma opinião que ficará
registada para todo o sempre.” E afirma-se: “A rudeza e agressividade
gratuitas entre colegas não são de modo algum passíveis de justificação. A meu
ver, são muitas vezes sintoma de ignorância e incapacidade profissionais,
sem no entanto esquecer que o cansaço, excesso de trabalho e <i>burnout</i> têm
uma forte influência nesse comportamento, que em nada beneficia o doente e o
profissional.”</span><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: inherit; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Um aspecto particular dessa agressividade e má criação, e
decorrente do desenvolvimento das redes sociais, é a discussão nestas de situações
médicas que não se encontram perfeitamente definidas do ponto de vista
científico ou social, e por isso sujeitas a opiniões pessoais. Ocasionalmente,
em vez de se fazer a discussão tranquila do assunto em causa, com apresentação
e discussão de argumentos do ponto de vista médico, cada um invocando os que
considere relevantes e procurando rebater os dos outros, formam-se uma espécie
de clubes de opinião, em que surgem colegas que perdem, mesmo que
momentaneamente, o tino, acusando e insultando do ponto de vista pessoal os que
se lhes opõem, atribuindo-lhes ignorância, falhas de carácter ou interesses
particulares maquiavélicos ou mesquinhos, isto porque se atreveram a não
comungar da sua opinião, assim transformada em verdadeira crença sobre um
assunto que devia ser apenas e só técnico. É uma situação que por vezes assume
o carácter de verdadeiro <i>bullying</i> contra quem unicamente
deseja expressar e trocar impressões de carácter médico com colegas, e que
tende a obstaculizar o uso dum meio que poderia ser muito útil para o efeito. E
que, fora dessas situações, é mesmo.</span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><b><i><span lang="PT" style="font-family: ""Times New Roman"",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Carlos Costa Almeida</span></i></b><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><i><span lang="PT" style="font-family: ""Times New Roman"",serif; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">In</span></i><span lang="PT" style="font-family: ""Times New Roman"",serif; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> Número 23,
Newsletter da Cirurgia C, Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)-CHUC</span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;">
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">*</span><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 10pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><a href="https://www.blogger.com/blog/post/edit/32548469/3298944635488055707"><span lang="PT" style="color: blue; mso-ansi-language: PT;">http://carloscostaalmeida.wixsite.com/surgicalthoughts/single-post/2018/03/28/Agressividade-entre-m%C3%A9dicos-Um-fen%C3%B3meno-internacional</span></a></span><span lang="PT" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p></div><!--EndFragment--></div>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-15229805533538039932018-08-11T08:58:00.010+00:002022-10-16T22:32:41.998+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><p align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt; text-align: center;"></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;"></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: center;"><b><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">A EMPATIA NÃO DEVE SER UMA</span></b><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 12pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: center;"><b><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">PALAVRA VÃ</span></b><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Uma familiar dum paciente nosso escreveu no Livro de Reclamações do nosso
Hospital um texto agradecido e elogioso acerca do nosso Serviço, de que destaco
o fragmento que se segue. “No momento de dor perante morte anunciada
de um ente querido, é importantíssimo, para o alívio do sofrimento da família,
existir momento de diálogo com os profissionais mais presentes junto do doente
(enfermeiros). Sem dúvida estes devem marcar a diferença no cuidar, quando
acolhem e escutam preocupações da família. Hoje, olhando para trás, relembro as
palavras destes profissionais e sinto necessidade de pedir à administração
deste hospital que reforce estes profissionais de saúde, de modo a que
disponham de tempo para cuidar do doente, ou seja, para não haver falta de
cuidados e conforto a este por falta de pessoal e ao mesmo tempo para a família
a nível de “apoio” numa fase de tão elevado sofrimento para
todos”. É de empatia que aqui se fala.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Empatia é a capacidade de se entender a emoção dos outros, de
compreendermos os seus sentimentos em cada altura, procurando nós
experimentá-los de forma objectiva e racional como se estivéssemos na mesma
situação vivenciada por eles. É compartilhar a dor psicológica dos outros, é
saber ouvi-los sem julgar, sentindo-nos no seu lugar e transmitindo-lhes essa
sensação. A empatia assim estabelecida ajuda a compreender melhor o seu
comportamento e motivações em determinadas circunstâncias, e a forma como tomam
decisões. E orientar a terapêutica de acordo com isso. E leva à confiança do
doente no seu médico, sentimento que contribui seguramente para se conseguirem
melhores resultados. Isto não por razões estritamente psicológicas,
no sentido de imateriais, ou morais, porque o “humanismo é bom”, mas por razões
bioquímicas, muitas delas ainda não estudadas e que apenas se entrevêem,
através do que podemos globalmente chamar endorfinas, e que aumentarão a
capacidade de resistência do organismo à doença, levando com mais facilidade à
sua recuperação face à agressão patológica sofrida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Já em artigo anterior nesta Newsletter foi abordada a empatia como parte
integrante da relação médico-doente. Esta é uma relação profissional, e assim
se deve manter, porque é a relação entre um profissional e o objecto do seu
trabalho: o doente. O médico deve tratar os seus doentes da melhor
maneira possível, com toda a sua capacidade, recorrendo a tudo o que aprendeu e
sabe fazer, sempre com o maior empenho e aplicação, fazendo o máximo por eles,
embora, naturalmente, possa ser limitado pelas condições que lhe fornecem no
seu local de trabalho, ou pela falta delas. Na sua actuação deve manter a
cabeça fria, usar toda a objectividade, seguindo a táctica que achar melhor e
empregando a técnica mais adequada, sem permitir que a sua possível
afectividade pelo doente lhe tolha isso tudo. O médico não deve tratar
pacientes por quem tenha sentimentos profundos, sejam positivos, sejam
negativos, e se o fizer terá de redobrar de cuidados, para não os
prejudicar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Significa isto que não é um dever ter simpatia pelos doentes e seus
familiares. Nem poderia ser assim, porque desse modo só iriam ser tratados
adequadamente aqueles que nos fossem simpáticos! E sendo os doentes – tal como
os profissionais de saúde, aliás – uma amostragem da população geral, há-os de
todos os tipos, uns dignos de simpatia, outros antes pelo contrário. E todos
devem ser tratados da melhor maneira possível. Não se fale, pois, de simpatia
ou antipatia na relação entre médicos e doentes, ou cuidadores e cuidados, mas
sim de empatia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">O esforço pessoal e activo para estabelecer empatia com quem é tratado tem
de fazer parte integrante do profissionalismo de quem trata, e ela deve ser
treinada, e mantida, e depois aperfeiçoada ao logo da vida profissional. Neste
aspecto, é crucial que quem trata doentes tenha em conta as suas emoções, bem
como dos que lhes são queridos e os acompanham de perto nessa hora de
preocupação e sofrimento, as compreendam, as sintam, comunguem com elas,
embora, e isto é fundamental, sem se consumirem nelas. É muito importante que
os pacientes e seus familiares sintam essa compreensão e essa sintonia, e que
existe preocupação e vontade de ajudar, e que tudo isso seja feito sem se
perder o sangue frio e, para tal, o distanciamento afectivo
necessário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Estabelecer empatia com o doente implica conversar com ele, ouvi-lo,
questioná-lo, olhá-lo nos olhos, mostrar-lhe que estamos ali, diante dele, a
procurar entendê-lo e ajudá-lo. Mais, que o vamos ajudar e acompanhar no
esforço que vai ter de fazer até ficar curado. E é importante tentar
perceber os seus receios e procurar fazê-los desaparecer ou atenuar,
não dando falsas esperanças mas nunca as tirando por completo. A empatia com o
doente é, na verdade, uma arte, fácil e intuitiva para alguns, mais complexa
para outros, mas todos a devem procurar atingir e melhorar. Porque ela é
fundamental quando se lida com pessoas, neste caso pessoas doentes, e com
estas a parte científica e tecnológica da medicina, só por si, é pouco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">É claro que para se estabelecer empatia é preciso um contacto pessoal
suficientemente estreito, e prolongado, e isso num hospital implica estar o
tempo necessário na enfermaria, junto dos doentes e dos seus familiares. E que
cada doente possa identificar, dentre o conjunto dos médicos do Serviço, o ou
os que são “os seus” médicos, que com ele lidam diariamente na sua doença e no
seu internamento, a quem apresentam em primeira mão as suas queixas, e a quem
os familiares se podem mais directamente dirigir. Por maioria de razão, é com
os enfermeiros que o contacto é mais constante, pois são eles quem está
presente a todas as horas na enfermaria. Por isso a função dos enfermeiros é
muito importante na relação empática com os pacientes internados. E é a este
propósito, aliás, que é o texto escrito nas Reclamações do Hospital, e que
serve de mote a este editorial. Texto elogioso e agradecido, sim, mas que,
lucidamente, exorta o Conselho de Administração a tomar pró-activamente as
medidas necessárias para se poderem manter as condições para os doentes serem
tratados da melhor maneira possível, incluindo no aspecto de que aqui estamos
a falar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">É preciso que o número de profissionais seja o necessário, e que, no caso
dos enfermeiros, permita que a equipa que contacta com cada doente seja
consistentemente a mesma, não sendo obrigada a mudar diariamente e assim
impedir aquelas longas conversas que a autora do texto refere, com
os doentes e ouvindo e acolhendo as preocupações da família. E essa
acção dos enfermeiros, muito para lá do seu trabalho puramente técnico, mas
incluída no seu conteúdo profissional, tem um alcance que vai muito além da
parte humanitária que é elogiada naquela “reclamação”: ela, na verdade, deve
preparar os doentes para o que lhe vai acontecer no hospital e logo após a
alta, e desse modo contribui, e dum modo hoje considerado quase decisivo, para
uma melhor evolução durante o internamento e um mais rápido restabelecimento
após sair. Aliás, é um dos pilares a não esquecer na ERAS (<i>enhanced recovery
after surgery</i>). A qual alguns conselhos de administração aplaudem com
entusiasmo, pensando nos possíveis internamentos mais curtos, mas nada fazem na
realidade para implementar!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">Em suma, tudo a propósito de empatia, e do modo como neste Serviço ela se
consegue estabelecer com os doentes, pesem embora as condições para isso cada
vez mais difíceis criadas entre nós. Todos os doentes são importantes,
naturalmente, mas é bom que possamos transmitir a cada um e à sua família que,
se não é o único que temos para cuidar, é com certeza o que nos monopoliza o
esforço e a preocupação profissional. E, com ele, todos e cada um dos outros. E
saber que não acontece neste Serviço o que sei que aconteceu noutro, em que,
face à preocupação insistente e angustiada do marido duma doente mal, ainda por
cima agravada por uma pneumonia nosocomial nesse seu internamento, o director,
enfadado, lhe disse: “Sabe, esta doente para si é a sua esposa, mas para nós é
apenas mais um número... E temos muitos!”. Porque não, porque empatia não é
isso.</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><b style="text-align: center;"><i><span lang="PT">Carlos
Costa Almeida</span></i></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;"><i style="text-align: center;">In</i><span style="text-align: center;"> Newsletter da Cirurgia C, Número 22, Julho 2018, Serviço de
Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)-CHUC</span></span></p><br /><p></p><p></p></div>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-61800566015082051282018-07-08T10:44:00.004+00:002022-10-16T22:07:20.695+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><span style="font-size: medium;">A EUTANÁSIA</span><o:p style="font-size: 14pt;"></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: inherit; font-size: 14pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Recentemente
no nosso país recrudesceram as conversas e as discussões sobre a eutanásia, e
houve inclusivamente uma votação no Parlamento com ela relacionada. Os cidadãos
não se devem alhear do assunto, e por maioria de razão os médicos, que não
podem mesmo ignorá-lo, já que ele os envolve directamente e por definição. Mas
é evidente que há antes de mais que saber, com rigor, do que se trata e sobre o
que se opina e eventualmente decide.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">A palavra eutanásia
deriva dum vocábulo grego composto por “eu” (bom) e “thanatos” (morte), e
lireralmente significava “boa morte”, no sentido duma morte tranquila, sem
sofrimento. Não tinha, pois, a conotação polémica, e até ominosa, que hoje se
lhe atribui. Conta-se que o imperador romano Augusto, sempre que lhe diziam que
um conhecido havia morrido serenamente, exclamava “Que os deuses me concedam
uma eutanásia assim!”. No nosso tempo, o termo corresponde a ajudar um doente a
terminar a vida, para aliviá-lo de dor e sofrimento insuportáveis. Na verdade,
essa ajuda pode significar, realmente, pôr termo à vida do doente. Ou, sem medo
das palavras (que não se deve ter), matá-lo. Vejamos como e em que condições.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Sendo o
objectivo genérico da medicina “prolongar e vida e evitar a morte”, terminar a
vida não poderia deixar de suscitar uma série de acaloradas discussões no
âmbito ético, religioso, médico e jurídico. Alguns entendem-na como um acto de
misericórdia do médico, dentro das suas funções de cuidar dos doentes, fazendo
com que os que não podem ser salvos possam morrer “bem”, sem a indignidade dum
sofrimento atroz, destruidor em vida da sua personalidade; outros consideram
que é uma perversão dos seus objectivos, mesmo uma inversão, tal como na obra
de François Truffaut, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fahreneit 451, grau
de destruição</i>, em que os bombeiros se transformaram nos que ateavam
programada e profissionalmente os fogos… <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Antes de
continuar, tenhamos noção de alguns procedimentos relacionados directamente com
a ideia de eutanásia. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Distanásia</i></b>, por oposição, significa
“má morte”, e em medicina entende-se como o adiamento da morte de um doente que
se encontra em fase terminal, sem esperança de cura e em sofrimento, condicionando-lhe
uma morte lenta e dolorosa, com o recurso a tratamentos médicos considerados
desproporcionados. Com o mesmo significado é também <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>usada a expressão "<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">obstinação terapêutica</i></b>".
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ortotanásia</i></b>,
em alternativa às duas, é a morte natural, no momento certo. Não confundir
eutanásia com <b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">suicídio assistido</i></b>, no qual o médico fornece ao paciente os
meios necessários para pôr termo à própria vida, desde que se verifiquem da
parte do doente os pressupostos de incurabilidade, grande sofrimento e desejo,
por isso, de morrer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: #333333; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Eutanásia</span></i></b><span style="color: #333333; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;"> é o acto intencional de proporcionar a alguém
uma morte rápida e indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença
incurável e que provoca um grande sofrimento. Pode ser classificada em
voluntária e involuntária. Na <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">eutanásia
voluntária</b> é a própria pessoa doente que, de forma consciente e dentro dos
parâmetros necessários, pede para ser morto. Na <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">eutanásia involuntária</b> a pessoa encontra-se incapaz de expressar o
desejo de morrer e essa decisão é tomada por outrem, geralmente cumprindo o
desejo anteriormente expresso pelo próprio nesse sentido. A eutanásia pode
também ser classificada em activa e passiva. A <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">eutanásia activa</b> é o acto de intervir de forma directa e deliberada
para terminar a vida do doente, a <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">eutanásia
passiva</b> consiste em não realizar, ou interromper, o tratamento necessário à
sua sobrevivência. Esta última poderia eventualmente confundir-se com não
praticar distanásia, mas a diferença é que o tratamento abandonado poderia ser
eficaz na doença em causa, enquanto na segunda se procura apenas arrastar a
vida sem outro objectivo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">A
eutanásia, onde é permitida por lei, deve ser levada a cabo por médicos, ou sob
a sua supervisão, já que é realizada por motivos clínicos. Os mais comuns, da
parte de doentes terminais, são a dor intensa e insuportável, a dispneia
marcada e angustiante, a paralisia extensa. Também têm sido apontados a
incontinência, a disfagia, náuseas e vómitos, que provocam uma redução
significativa da qualidade de vida do doente e uma depressão profunda. Outro motivo
psicológico reside no medo de perder o controlo do corpo, a dignidade e a
independência. A verdade é que uma depressão psíquica conduz
caracteristicamente ao suicídio e, na impossibilidade deste, poderá justificar
o pedido de suicídio assistido ou de eutanásia voluntária; o que não significa
que, melhorando um pouco, e uma vez passado o período depressivo, o doente não
possa deixar de querer morrer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">A eutanásia
está no centro de um intenso debate público com diversas considerações de ordem
religiosa, ética e médica, que têm origem em diferentes perspectivas sobre o
significado e valor da vida humana. Entre os argumentos a favor da prática da
eutanásia estão a alegação de que as pessoas têm o direito a tomar decisões
sobre o seu corpo e escolher como e quando querem morrer, e que o direito à
morte faz parte dos Direitos Humanos (entretanto, se um qualquer indivíduo se
tentar suicidar procurar-se-á impedi-lo, e se tentar várias vezes poderá ser
proposto para tratamento psiquiátrico). Entre os argumentos contra, estão
razões que se prendem com a vontade de Deus, ou falta de respeito pela inviolabilidade
da vida, e pelo seu valor, ou considerações éticas sobre a função do médico,
que é tratar e não matar. Um óbice mais técnico é o de a permissão da eutanásia
voluntária, caso se aceite do ponto de vista moral, poder acabar por levar a
casos de eutanásia involuntária, para reduzir custos com a saúde ou ter mais
camas vagas (como na Alemanha na segunda guerra mundial, para acomodar o
excesso de feridos que vinham da frente de batalha), ou encobrir homicídios. ou
colaborar numa eliminação sistemática de todos aqueles que as autoridades
julgarem incómodos ou prejudiciais para a sociedade ou para a “raça” (<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">eutanásia eugénica</b>, voltando ao exemplo
da <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Alemanha nazi, em que a prática,
estabelecida legalmente e com suporte médico, sem ser nos campos de
concentração, foi de “terminar vidas que não valia a pena serem vividas”). Paralelamente,
invoca-se que a existência de cuidados paliativos de qualidade retirará a indicação
clínica para eutanásia ou para suicídio assistido, insistindo nessa antinomia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Na maior
parte dos países não existe legislação específica a permitir a eutanásia, pelo
que terminar a vida dum doente que sofre, tal como fornecer-lhe os meios para o
suicídio, é homicídio, punível com pena de prisão, embora frequentemente
mitigada por ser um “homicídio piedoso”. Está, no entanto, dentro da lei o
médico decidir não prolongar a vida em casos de sofrimento extremo, e
administrar sedativos mesmo que isso diminua a esperança de vida do doente. Na
Europa, apenas Bélgica, Luxemburgo e Holanda autorizam a eutanásia activa e o
suicídio medicamente assistido, dentro de regras clínicas estabelecidas, sendo
a Holanda o primeiro dos três a torná-los legais (2001). Na Suíça, a eutanásia não
está legalizada mas o suicídio medicamente assistido sim, e do mesmo modo no
Canadá e em cinco estados dos 52 dos Estados Unidos da América. Do resto do
mundo, apenas a Colômbia autoriza a eutanásia voluntária activa e o suicídio
assistido. A eutanásia involuntária é ilegal em todos os países e geralmente considerada homicídio.
Mesmo nos países em que a eutanásia voluntária é legal, esta continua a ser
considerada homicídio se não estiverem cumpridas a condições previstas na lei. No
entanto, da Holanda chegam relatórios mencionando, para além de suicídios
assistidos e eutanásias a pedido, doentes mortos sem terem expresso desejo
disso, no momento ou previamente (por testamento vital, por exemplo), e mesmo
sem o seu conhecimento ou das respectivas famílias, embora, naturalmente,
sempre alegando-se razões médicas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">É, quanto a
mim, nestas últimas circunstâncias, e naquelas mais antigas, que residem as
maiores dúvidas na legalização do suicídio medicamente assistido, embora com
regras muito estritas e que o tornem capaz de ser moralmente aceite. É que elas
mostram ser possível o que é chamado “slippery slope”, isto é, de um
procedimento muito restrito se ir deslizando para um maior alargamento das
indicações, primeiro presumindo o desejo não expresso, depois resolvendo mesmo
sem essa presunção, e aí por diante, eventualmente misturando as razões
iniciais com fins diferentes, como seja de os médicos decidirem se doentes têm
ou não vidas que mereçam a pena ser vividas, ou se as camas que ocupam não seriam
mais necessárias para outros. Não seria nada inusitado e que não se possa
prever, porque já aconteceu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: inherit; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;">Em Portugal,
foi recentemente posta à votação parlamentar a despenalização do suicídio medicamente
assistido, tendo sido recusada. Embora, pessoalmente, não tenha uma ideia
definitiva sobre o assunto, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>face a todos
os argumentos num sentido e noutro, não creio que se possa considerar
moralmente inaceitável, e por isso forçosamente ilegal, o proporcionar a morte a
um doente terminal, sem esperança de cura, em sofrimento intenso sem
possibilidade de ser controlado significativamente, desde que ele o pretenda
expressa e conscientemente. É, na realidade, um acto médico de misericórdia,
embora também compreenda que para alguns de nós possa ferir o fim último da
nossa profissão. Por isso, ele não poderá nunca passar a ser parte integrante e
obrigatória do conteúdo funcional de cada médico. Mas trata-se de ajudar um
doente a atravessar com alguma serenidade um momento tão dramático da vida como
é a morte, depois dum período prolongado de grande sofrimento, já sem
esperança. Fala-se do direito a morrer com dignidade, embora este, ao fim e ao
cabo, não seja um direito individual<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>absoluto, já que é necessário que outros reconheçam ter as condições
médicas exigidas para lhe ser concedido. Será, para quem o aceite, muito
importante ter a certeza inquestionável de estarem reunidos esses pressupostos clínicos
necessários, para além da vontade inequívoca, consciente, informada e
esclarecida do interessado, e de esta não resultar, por exemplo, dum estado
depressivo ocasional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT; mso-hansi-font-family: Calibri;"><span style="font-family: inherit;">Como comentário
final a este assunto, não posso deixar de referir situações intimamente
relacionadas com ele e que são muito mais frequentes do que aquelas em que um
doente possa desejar que lhe seja proporcionada a morte. Refiro-me a quando um
doente de avançada idade necessita de cuidados mais diferenciados e, portanto,
mais dispendiosos, ou mais consumidores de tempo e de recursos, e tal lhe é
recusado. Como exemplo, um doente muito idoso que é operado de urgência, e que na
sequência disso teria necessidade de cuidados intensivos, e a respectiva
Unidade se recusa a recebê-lo, afirmando que “não vale a pena investir” naquele
doente, por causa da idade; nessa impossibilidade, o paciente fica no recobro
do bloco operatório, ou na enfermaria, onde eventualmente vem a recuperar, e
tem alta, bem, de regresso aos seus entes queridos, que o esperam com ansiedade
e amor… sem nunca sequer imaginarem que houve alguém no hospital que decidiu
que “não valia a pena” tratá-lo...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É que
não se trata de não intervir num doente com grande probabilidade de morrer nessa
intervenção, e maior de sobreviver se não for intervencionado: aí a preocupação
é pela vida do doente. Ou de recusar fazer um tratamento que não tem qualquer
possibilidade de resultar, num doente sem esperança de se salvar: aqui seria
distanásia, e essa já se sabe que se deve evitar. Não, é alguém que decide se o
doente “tem uma vida que vale a pena viver” ou não; e, pela abstenção
terapêutica, a maior parte das vezes não vive mesmo, o que poderia não acontecer
se tivesse sido tratado… Claro que situação diferente ainda é se não houver
vaga de internamento, ou houver mais do que um candidato para uma só vaga: aqui
terá de se fazer um escalonamento da gravidade das situações clínicas em
apreço, e dos próprios doentes, idade e vitalidade incluídas. Nessa altura, por
muito que custe, por vezes terá de se escolher um em detrimento de outro; a
obrigação do médico em todas as situações é fazer por cada doente o melhor possível,
mas dentro das condições de que disponha no local onde trabalha. Agora, simplesmente
desistir dum doente porque é muito velho, ou porque pode vir a ficar internado
muito tempo, e isso “não vale a pena”, soa a eutanásia involuntária, e essa é
proibida em todo o lado. E, afinal, são situações dessas que fazem temer o tal
“slippery slope”, referido atrás, e a que eventualmente o suicídio assistido
poderia vir abrir a porta…</span><o:p></o:p></span></div>
<span style="font-size: x-small;"><b>Carlos Costa Almeida</b></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Newsletter da Cirurgia C, Número 21, Junho 2018</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Director do Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)-CHUC</span>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-74493863824203805792018-06-01T19:20:00.002+00:002018-06-01T20:22:43.746+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt; text-align: center;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O TRAUMA, A
RAÇA E O SNS<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
No início deste mês de Maio recebi da
Biblioteca do nosso Hospital, como é habitual periodicamente, uma lista de
trabalhos publicados nas revistas médicas que continuam a ser assinadas e que
nos possam interessar, segundo a nossa área de trabalho. É seguramente uma
iniciativa muito meritória e importante de quem lá trabalha, a Lúcia Paiva, e
que cumpre realçar, com vénia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify;">
Uma das
sugestões era <i>Universal Insurance and an Equal Access
Healthcare System Eliminate Disparities for Black Patients after Traumatic Injury</i>,<sup>1</sup> de Muhammad Ali Chaudhary <i>et al</i>., do Center for Surgery and Public
Health, do Brigham and Women's Hospital, um dos hospitais da Harvard Medical School, em Boston, Estados
Unidos da América, publicado em Abril de 2018 na revista americana <i>Surgery</i>. O título chamou-me a atenção,
ao introduzir no tratamento do trauma dois factores não médicos, o tipo de
seguro e o acesso ao sistema de saúde, e um terceiro, a raça, em princípio sem
relação fisiopatológica conhecida com lesões traumáticas. Os autores,
reconhecendo diferenças e desigualdades no tratamento do trauma no seu país,
com pior tratamento e piores resultados em pacientes pertencendo a minorias
étnicas, quiseram verificar se essas desigualdades e diferenças eram amenizadas
caso os traumatizados dessas minorias tivessem acesso a um seguro de saúde
igual aos da maioria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Assim, consideraram dois grupos de doentes,
uns brancos, outros negros, vítimas de traumatismo, num total de 87.112,
tratados num espaço de tempo de oito anos, e todos beneficiários do mesmo
seguro, com as mesmas regalias. Os doentes incluídos no estudo foram avaliados
segundo o mecanismo e intensidade do trauma, as lesões sofridas, as
comorbilidades presentes, o tipo de cuidados no local e à entrada, e vários
factores demográficos. A raça foi
considerada como a grande variável preditora dos resultados, aos 30 e 90 dias
após alta, fazendo-se, portanto, nesse aspecto, a comparação entre brancos e <a href="https://www.blogger.com/null" name="_Hlk515563288"></a>negros.
Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos no que
respeita a mortalidade, morbilidade pós-traumática, reinternamentos e
reabilitação. Concluíram os autores que um seguro de saúde igual podia
diminuir ou mesmo fazer desaparecer as desigualdades historicamente verificadas
naquele país, e afectando negativamente a minoria negra quando traumatizada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Apesar do resultado positivo do estudo, no
sentido de não haver repercussão da etnia nos resultados do tratamento, o
artigo chocou-me por essa hipótese ter sido posta. Por isso fui ler mais sobre
o assunto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Em 2007, Shahid Shafi <i>et al</i>., da Universidade do Texas, em
Dallas, escreveram<i> Ethnic Disparities
Exist in Trauma Care</i>,<sup>2</sup> focando os doentes que sofreram
traumatismo cranioencefálico (TCE) e tiveram reabilitação depois, para evitar
ou minimizar as sequelas. Segundo os autores, é conhecida nos EUA a diferença
de acesso aos cuidados de saúde consoante a etnia ou raça em diversas
patologias, e eles quiseram estudar o que se passava naquela situação.
Consideraram retrospectivamente, segundo a sua etnia, três grupos de pacientes
(brancos não hispânicos, hispânicos e afromericanos) que sofreram traumatismo
cranioencefálico grave com necessidade de reabilitação. Na análise dos grupos
foram tomadas em consideração várias variáveis (idade, género, índice de
gravidade geral do trauma e índice de gravidade do TCE, lesões associadas, tipo
de seguro de saúde), e nesses aspectos os três grupos foram considerados
equivalentes. Assim, a única diferença que justificou os hispânicos e os negros
serem postos significativamente menos em programa de reabilitação foi a sua
etnia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Sobre
o mesmo tópico, e também em 2007, Wehman <i>et
al</i>., do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Virginia
Commonwealth University, em Richmond, em <i>Helping
Persons With Traumatic Brain Injury of Minority Origin: Improve Career and Employment
</i>Outcomes,<sup>3</sup> descobriram que no seu país pessoas das minorias
étnicas apresentam mais sequelas pós-trauma cranioencefálico, o que lhes
condiciona as carreiras profissionais e o acesso ao emprego. E à mesma
conclusão chegaram Anthony Asemota <i>et al</i>.,
da Johns Hopkins School of Medicine, de Baltimore, em 2013, em <i>Race and Insurance Disparities in Discharge
to Rehabilitation for Patients with Traumatic Brain Injury</i>,<sup>4</sup>
juntando à raça o seguro de saúde como factores negativos no acesso à
reabilitação necessária após traumatismo cranioencefálico e, portanto, levando
à existência de mais sequelas. E do mesmo modo McQuistion <i>et al</i>, da<span style="background: white; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 10.0pt;"> </span>Division of Trauma and Acute Care Surgery, University of Wisconsin
School of Medicine, em 2016, constataram em <i>Insurance
status and race affect treatment and outcome of traumatic brain injury,</i><sup>5</sup>
com base em dados do National Trauma Data Bank americano, que a raça ou etnia e
o seguro de saúde influenciam o tempo de internamento, os tratamentos feitos, a
mortalidade e o seguimento pós-alta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Já
Ashley Meagher <i>et al</i>., no Estado de
North Carolina, em <i>Racial and ethnic
disparities in discharge to rehabilitation following traumatic brain injury</i>,<sup>6</sup>
em 2015, reconhecendo a desigualdade das minorias hispânica e afroamericana no
acesso ao serviço de reabilitação em internamento após TCE, por comparação com
a maioria caucasiana, identificaram, para além disso, uma dificuldade maior
dessas minorias no acesso a cuidados mais elevados de reabilitação após alta,
mas não relacionada com o tipo de seguro de saúde. Para aqueles autores, o
factor decisivo é apenas pertencer àquelas minorias ou à maioria étnica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Em
<i>Racial Differences in Employment Outcome
After Traumatic Brain Injury at 1, 2, and 5 Years Postinjury</i>,<sup>7</sup>
em 2009, Kelli Gary <i>et al</i>., também da
Virginia Commonwealth University, afirmam que os doentes que sofreram TCE grave
apresentam com frequência, pelas consequências físicas, cognitivas e emocionais
desse trauma, dificuldades na sua reintegração na sociedade e na manutenção ou
obtenção de emprego. Neste último aspecto, para além da reabilitação, também
contarão algumas condições pré-trauma, como o nível de instrução e o tipo de
emprego, mas, mais uma vez, o pertencer a uma raça minoritária naquele país
(neste estudo, ser negro) revelou-se como um factor importante para os doentes
não obterem um emprego estável após o traumatismo e o seu tratamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
Em
resumo, a etnia ou raça parecem ser na verdade um factor determinante no acesso
aos cuidados de saúde e nos resultados do tratamento do trauma nos EUA, com
repercussão negativa nas minorias, nomeadamente nos hispânicos e negros, por
comparação com a maioria caucasiana. Apresenta-se como uma realidade, sejam
quais forem os aspectos particulares que a expliquem, com menção específica ao tipo de seguro de saúde de que uns e outros podem dispor. E leva-nos de imediato a pensar na nossa
realidade nacional, em que os doentes são tratados no Serviço Nacional de Saúde
(SNS) todos da mesma maneira, sem importar a raça, a origem, as posses
económicas, a profissão, o nível social. Com um acesso universal, e com todos
os meios disponíveis à disposição de todos por igual. Seguramente um avanço
enorme em termos sociais, até diria em termos civilizacionais. E compreendemos
mais facilmente por que razão ele, como sistema de saúde, está tão bem cotado a
nível internacional, apesar das dificuldades actuais – e crescentes, deve
dizer-se - em termos de recursos
humanos, tecnológicos e de investimento, os últimos justificando largamente os
outros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15.0pt; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-autospace: none;">
De
realçar, também, nos artigos citados, a preocupação dos seus autores, oriundos
de hospitais de referência nos EUA, em avaliar o tratamento dos doentes
traumatizados e as suas consequências, identificando factores que os podem
influenciar negativamente. Todos terminam os seus trabalhos, aliás, dizendo que
é necessário corrigir o que está mal. Um desses factores, que alguns relacionam
com a raça ou etnia dos pacientes, é o seguro de saúde, ou a falta dele, e
aquilo que ele oferece a cada indivíduo segurado. Num momento em que em
Portugal os seguros de saúde aumentam rapidamente, compensando, e
presumivelmente aliviando, o SNS, seria importante avaliar em que extensão é
que cada um dos existentes pode contribuir para o tratamento dos traumatizados
e a sua reabilitação, poupando o SNS a esse trabalho. Ou se, pelo contrário,
alguns deles levam os doentes a ter de recorrer ao sistema público, por falta
da cobertura necessária ou porque alguns, ou muitos, cidadãos – eventualmente
com preferência por alguma raça ou etnia - não têm possibilidades de a eles
recorrer. É uma avaliação que deverá ser feita, como os americanos fizeram, com
intuito de melhoria, se quisermos manter o nosso sistema de saúde, enquanto
tal, à frente, e bem à frente, do deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<b><i>Carlos Costa Almeida</i><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Número 20
da <b><i>Newsletter
da Cirurgia C</i></b>, Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<i><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">Referências<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">1 - </span><span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">Chaudhary MA, Sharma M, Scully RE, Sturgeon DJ, Koehlmoos T, Haider AH,
Schoenfeld AJ. Universal insurance and an equal access healthcare system
eliminate disparities for Black patients after traumatic injury. Surgery. 2018
Apr;163(4):651-656<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">2 - Shafi S, de la Plata CM,
Diaz-Arrastia R, Bransky A, Frankel H, Elliott AC, Parks J, Gentilello LM.
Ethnic disparities exist in trauma care. J Trauma. 2007 Nov;63(5):1138-42<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">3 - </span><span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">Wehman P, Targett P, Yasuda S, McManus S, Briel L. Helping persons with
traumatic brain injury of minority origin: improve career and employment
outcomes. J Head Trauma Rehabil. 2007 Mar-Apr; 22(2): 95-104<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">4 - Asemota AO, George BP, Cumpsty-Fowler CJ, Haider AH, Schneider EB.
Race and insurance disparities in discharge to rehabilitation for patients with
traumatic brain injury. J Neurotrauma. 2013 Dec 15;30(24):2057-65<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">5 - McQuistion K, Zens T, Jung HS, Beems M, Leverson G, Liepert A,
Scarborough J, Agarwal S. Insurance status and race affect treatment and
outcome of traumatic brain injury. J Surg Res. 2016 Oct;205(2):261-271<a href="https://www.blogger.com/null" name="_Hlk515563966"><o:p></o:p></a></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">6 - Meagher AD, Beadles CA, Doorey J, Charles AG.
Racial and ethnic disparities in discharge to rehabilitation following
traumatic brain injury. J Neurosurg. 2015 Mar;122(3):595-601<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 4.0pt; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="EN-GB" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 10.0pt;">7 - Gary KW, Arango-Lasprilla JC, Ketchum JM, Kreutzer
JS, Copolillo A, Novack TA, Jha A. Racial differences in employment outcome
after traumatic brain injury at 1, 2, and 5 years postinjury. Arch Phys Med
Rehabil. 2009 Oct;90(10):1699-707<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt; text-align: center;">
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt; text-align: center;">
<br /></div>
</div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-42625961995069471402018-05-22T16:52:00.002+00:002022-10-16T21:51:52.625+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><span face="Trebuchet MS, sans-serif"><b>ANTÓNIO
ARNAUT</b></span><span face="helvetica neue, arial, helvetica, sans-serif"><o:p></o:p></span></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-family: inherit;">Habituei-me a ouvir o seu nome desde o começo da minha
carreira como especialista, desde o início do Serviço Nacional de Saúde e ao
longo dos anos que ele tem. Mas uma coisa é ouvir falar do ministro que criou
as bases para revolucionar a assistência médica no país, ou do político
defensor das suas causas e do que na sua óptica considerava justo e mais
adequado à sociedade que ele procurava moldar, ou do advogado eloquente, ou do
poeta que ele era, outra foi conhecê-lo pessoalmente. Conversar com ele, ser
comensal à mesma mesa, trocarmos ideias, sobre grandes e pequenas coisas, ao
longo de viagens em conjunto, participar em debates em que ele também
participava, ter a honra de o ver apresentar um livro escrito por mim, sobre,
naturalmente, a Saúde, o Serviço Nacional de Saúde, as Carreiras Médicas, um
assunto que desde cedo, e acidentalmente, o tomou na sua vida política activa e
que, mesmo depois dela, nunca mais abandonou.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-family: inherit;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-family: inherit;">Foi ao conviver com ele, ao tê-lo como amigo, que pude
testemunhar os seus modos afáveis, mesmo para aqueles com quem não concordava,
mas mantendo a segurança das suas ideias, sem fazer cedências, nem sequer de
circunstância, àquilo em que acreditava e por que se batia com denodo e
persistência. A sua simplicidade de modos e de estar, mas que prendia todos os
que com ele falavam ou apenas o ouviam. O seu espírito de humor arguto, a
atenção que prestava a tudo o que o rodeava. A sua confiança no que sabia, sem
deixar de aprender e sem perder a capacidade de se surpreender e entusiasmar
com o que de novo lhe aparecia. A sua vontade de melhorar constantemente. A sua
alegria de viver e de ter vivido, contagiante. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-family: inherit;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-family: inherit;">Foi um privilégio conhecê-lo. Para além da obra a que deu
origem, para além daquilo que neste pais representou, para além daquilo que
realizou. É, sem dúvida, daquelas pessoas que gostaríamos sempre de encontrar
outra vez. </span><span style="font-family: times, times new roman, serif;"><o:p></o:p></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif" style="font-size: x-small;"><b>Carlos Costa Almeida</b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span face="Trebuchet MS, sans-serif"><i><span style="font-size: x-small;">Presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitala</span>r</i></span></span></div>
<br />Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-19543243864187849252018-03-30T13:53:00.001+00:002018-03-30T13:53:50.881+00:00<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: center;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="_Hlk502506842"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">CONSENTIMENTO INFORMADO<o:p></o:p></span></b></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<i>Consentimento informado, livre e esclarecido</i>.
O que significa? O que se pretende com ele, como se deve obter?<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
Pode-se dizer
que foi Hipócrates quem tornou a medicina numa profissão como hoje a
entendemos, e que a Escola Hipocrática de Medicina criou as regras da relação
médico--doente que perduraram durante 23 séculos, e que só muito recentemente
sofreram alguma modificação. Na sua sequência, a prática médica baseia-se nos
princípios da beneficência e da não-maleficência, e, nesse sentido, logo no
Juramento de Hipócrates se afirma que o médico deve tratar os doentes e se deve
abster de lhes fazer mal, afirmando o mesmo autor, noutra obra, que a função
principal do médico para com o doente “é fazer-lhe bem e não lhe fazer mal”.
Será curioso notar que a expressão em latim <i>primum
non nocere</i> (em primeiro lugar não causar dano), que traduz exactamente
isso, dando primazia ao não fazer mal, não foi usada por aquele médico grego
mas sim criada muito tempo depois, alegadamente por Thomas Sydenham, no século
XVII, quando o latim era a língua intelectual, acabando por ficar registada
como uma parte fulcral do que se pretende transmitir com aquele Juramento. Com
um significado muito amplo em medicina e em cirurgia, aquela frase constitui em
si mesma um axioma absolutamente central em farmacologia clínica, relembrando
todas as interacções e efeitos secundários dos medicamentos, embora cada vez
mais se possam encontrar situações clínicas em que a sua acuidade pode ser
discutível. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
Na época de
Hipócrates, e durante séculos a seguir, a relação médico-doente assentava num
verdadeiro paternalismo médico, devendo este comportar-se para com o doente
como um pai para um filho. Tudo o que fizesse era para bem dele, mesmo que
eventualmente não parecesse. Nesta óptica, o médico tinha o dever de proteger
esse filho, fazendo-lhe o bem e poupando-o ao mal, prescrevendo o tratamento
adequado, e responsabilizando-se por isso. Quanto ao doente, restava-lhe o
papel de fazer o que lhe era dito por quem sabia e queria o seu bem – tal como
os filhos em relação aos pais. A preocupação e a responsabilidade pelo que
acontecesse ao doente eram apenas e totalmente do médico. Em textos atribuídos
a Hipócrates, recomendava-se mesmo que o médico escondesse tudo o que pudesse
do doente, para não o preocupar e para lhe dar descanso de espírito, desviando
a sua atenção daquilo que lhe estava a fazer e das complicações possíveis,
omitindo até o diagnóstico que lhe reservava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
Embora haja quem afirme que o
exercício da medicina não terá sido tão autoritário como algumas passagens
hipocráticas fazem crer (a não ser, porventura, na Idade Média, quando a
prática clínica esteve confiada aos monges, habituados a uma organização severa
e ao dogma nas próprias relações humanas), o facto é que ninguém contesta que
só muito recentemente se estabeleceu a necessidade de obter um consentimento
informado e prévio, como forma de respeito por um verdadeiro e próprio direito
do paciente a saber e consentir. Numa perspectiva actual, os valores pessoais
do doente, enquanto sujeito inserido numa determinada cultura que lhe é
própria, merecem a devida atenção, em respeito pelo seu direito à
autodeterminação. E esse respeito veio alterar a sua postura no seio da relação
clínica, passando de uma completa dependência para uma participação activa. O
respeito pela dignidade da pessoa humana significa, acima de tudo, a promoção
da sua capacidade para pensar, decidir e agir, o que implica e pressupõe um
conhecimento esclarecido do diagnóstico, dos riscos e passos do tratamento ou
intervenção (sem prejuízo do privilégio terapêutico, que adiante se refere),
assim como eventuais alternativas terapêuticas. Em última instância, a decisão
sempre é do paciente, que exprimirá a sua vontade, aceitando ou não a estratégia
terapêutica proposta, até ao momento da sua execução.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoBodyText" style="tab-stops: 10.0cm; text-align: justify;">
A doutrina do
consentimento informado, livre e esclarecido é relativamente nova na medicina.
Atribui-se-lhe o início nos Estados Unidos da América, em 1928, quando um
Tribunal deliberou: “...todos os seres humanos maiores de idade e com saúde
mental (competentes) têm o direito a determinar o que deverá ser feito com o
próprio corpo; e um cirurgião que realize uma operação sem o consentimento do
paciente comete uma violação, estando por isso sujeito à exigência de
responsabilidade”. No rescaldo de experimentações humanas degradantes e
criminosas realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, surgem o Código de
Nuremberga, em 1947, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948,
onde se refere a necessidade de consentimento voluntário após informação
correcta que permita decidir. A Declaração de Helsínquia, sobre investigação
com humanos, redigida pela Associação Médica Mundial em 1964, fala de
consentimento informado, e, de acordo com a Declaração de Lisboa, pela mesma
Associação, em 1981, “o paciente tem o direito de consentir ou recusar
tratamento na base de esclarecimento adequado.” A importância de uma
participação activa do paciente na relação clínica, no âmbito da necessidade da
sua livre vontade para qualquer intervenção médica, foi registada na
Recomendação proposta pelo Grupo de Trabalho da Região Europeia da Organização
Mundial de Saúde (O.M.S.), em 1985. E também na Convenção de Bioética do
Conselho da Europa (1996) se afirmou claramente que “uma intervenção no campo
da saúde só deverá ser efectuada após a pessoa o permitir, dando para tal o seu
consentimento livre e informado.” Do ponto de vista judicial, o Código Penal
português prevê o crime de <i>intervenções e
tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários</i>, ou seja, sem o consentimento
informado e esclarecido do paciente, fundando-se este no direito à integridade
física e moral do indivíduo.<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
O consentimento insere-se na
moderna relação médico-doente, em que o segundo deixa de seguir cegamente o
primeiro, antes passa a ter o direito de partilhar das suas decisões no que lhe
dizem respeito. Poder-se-ia considerar que isso vem aliviar a pressão sobre o
médico, ao não decidir só por si, mas a verdade é que a responsabilidade
técnica continua a ser sua: o doente apenas consente. Pode exercer uma
preferência, mas sobre o que lhe é sugerido pelo médico, este de acordo com o
que sabe, a sua experiência e o que a evidência médica do momento mostra que é
bom. Pretende-se que o paciente, para poder escolher, seja perfeitamente
esclarecido sobre o assunto em questão, mas não se espera com certeza que um
leigo na matéria possa decidir tecnicamente, ou contribuir para essa decisão,
por mais que se lhe explique! A escolha, ou aceitação, pelo paciente do que lhe
é proposto será sempre com base em parâmetros próprios, de carácter social, ou
psicológico, ou emocionais, mesmo que a informação que lhe foi prestada o tenha
deixado, na sua opinião, secundada pela do médico, esclarecido. É isso o
consentimento informado e esclarecido. A orientação técnica e as suas
consequências continuam a ser responsabilidade do médico.<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
Há um número significativo de
pacientes que <i>renunciam</i> à informação,
pelo menos muito detalhada, sobre a sua doença e respectivo tratamento, e consentem
nele entregando-se nas mãos profissionais do “seu” médico, dentro da lógica do
velho “paternalismo”. O médico deve respeitar essa preferência do doente, não o
atormentando com pormenores indesejados – razão por que era assim feito na
velha medicina hipocrática. Quanto aos outros, os que querem participar na
escolha, devem ser informados da melhor maneira possível de modo a poderem
ficar esclarecidos das suas dúvidas. E assim poderem consentir, sem se sentirem
coagidos ou direccionados: isto é, livremente. Destes, naqueles em que o
conhecimento da verdade nua e crua sobre a sua patologia e o seu futuro
enquanto doentes os possa afectar seriamente na sua evolução clínica, de modo
justificadamente expectável, aceita-se serem também poupados a um
esclarecimento cabal. É o chamado <i>privilégio
terapêutico</i>. Para além desta situação, outras razões podem permitir o não
esclarecimento: os casos de <i>tratamentos
de rotina</i>, em que não se vislumbra risco ou dificuldade que force a uma
informação detalhada ao doente para que este possa decidir, e os <i>estádios terminais</i>, na medida em que habitualmente
determinam o que alguns apelidam de <i>perda
de autonomia</i>, justificando formas mais suaves de esclarecimento, ou mesmo a
sua omissão.<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
Duma maneira geral é, pois, fundamental
que o doente consinta, ou escolha, depois de esclarecido. Mas a mesma
informação pode não ser eficaz em todos os doentes, quer dizer, alguns podem
não ficar esclarecidos apesar dela. Há, pois, que procurar a informação, e o
modo de a transmitir, mais adequados ao esclarecimento de cada um. Chama-se a
isso <i>informação eficaz</i>. Que tem
forçosamente de passar por um diálogo entre o médico e o doente, através do
qual se perceba no final que este ficou esclarecido. Por mais documentos
escritos que sejam entregues ao paciente, e que ele assine, poderá sempre mais
tarde argumentar que não lhe foram adequadamente explicados, ou que os percebeu
mal. É da comunicação, do colóquio singular, entre o médico e o doente que sai
mais eficazmente a informação necessária, que o médico pode adaptar ao doente
que tem na sua frente, em contacto consigo, usando inclusivamente, para isso, a
empatia profissional que deverá estabelecer com ele.<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
Que médico deve obter o
consentimento informado, esclarecido e livre do doente? O que lhe possa
explicar com detalhe o que lhe vai ser feito, e como, as alternativas, as
dificuldades a vencer, as complicações possíveis, o que fazer para as evitar e
resolver, que resultados esperar. Sem hesitações, com conhecimento de causa,
sem dúvidas, de modo a poder tirar todas as que o doente apresente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoBodyText" style="text-align: justify;">
E isso legalmente é quanto
basta. O facto de o consentimento ter sido obtido por escrito não significa
forçosamente que o doente tenha sido adequadamente informado e esclarecido, ou
que tenha consentido livremente e não tenha sido induzido a tal. Por isso a
nossa Lei não exige um consentimento escrito, e a Entidade Reguladora da Saúde
também não, apenas fala em “preferencialmente escrito”. Já a Direcção Geral de
Saúde, através da Norma respectiva, impõe um documento escrito. É uma regra
administrativa a cumprir nos hospitais, naturalmente, mas que não deve de
maneira nenhuma implicar um aligeirar no esforço para que o consentimento do paciente
seja colhido por quem o deva colher, isto é, tenha as condições necessárias
para o informar eficazmente, e por isso
tal consentimento seja dado de modo informado e esclarecido e se possa dizer
livre, tal como atrás ficou dito. Porque, se não tiver sido assim, a simples
existência dum papel assinado não terá qualquer peso legal e ético em termos de
responsabilidade médica. Antes demonstrará, em si mesma, uma falha do médico na
obtenção do consentimento por parte do doente para a intervenção ou tratamento
em causa.<o:p></o:p></div>
<b><i>Carlos Costa Almeida</i></b><br />
<span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Newsletter do Serviço de Cirurgia C, Número 18, Março 2018, Hospital Geral (Covões), CHUC</span>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-33910975080937230412018-02-04T21:21:00.000+00:002018-02-04T21:21:03.576+00:00<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">E um dia vieram os médicos <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">ou<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O Serviço Médico à Periferia em 1975<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -0.05pt; text-align: left;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Carlos Costa Almeida<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -0.05pt; text-align: left;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Quis o
acaso que eu integrasse o curso de Medicina que começou o Serviço Médico à
Periferia, em 1975. Fiz parte nessa altura da chamada Comissão Nacional de
Policlínicos, com representantes do Norte, Centro e Sul, que foi quem discutiu
com o governo a ida dos jovens médicos para a periferia, e por isso posso falar
na primeira pessoa do que aconteceu, e com conhecimento directo de causa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O nosso contacto
com o Ministério da Saúde era através da então existente Direcção Geral dos
Hospitais, e logo nos apercebemos que da parte deles não havia uma ideia
precisa do que esse “serviço” deveria ser, de modo que tudo ficou em grande
medida entregue a nós próprios, e à nossa iniciativa e capacidade de organização,
em cada Região e depois em cada grupo formado. Esses grupos constituíram-se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ah hoc</i>, por amizades, simpatias, maior
convivência habitual, idiossincrasias, credos políticos, etc. A sua
distribuição pelas várias localizações foi sorteada, depois dos locais terem
sido escolhidos por uma comissão designada para o efeito em cada Região. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Tínhamos
feito o internato geral, na altura composto de um ano de prática clínica (findo
o qual nos inscrevíamos na Ordem dos Médicos) e catorze meses de internato de
policlínica, e aguardávamos o início do internato complementar, pelo qual
tiraríamos uma especialidade hospitalar (os cuidados de saúde primários como
especialidade ainda não existiam). E foi nesse interregno que se veio instalar
a possibilidade de irmos fazer um serviço médico na periferia, fora dos grandes
centros e dos hospitais estatais então existentes, um pouco à semelhança das chamadas
“campanhas de dinamização cultural” dos militares. Recorde-se que estávamos
ainda num período de agitação revolucionária pós-Abril de 1974, com o chamado
Movimento das Forças Armadas (MFA, motor do golpe revolucionário) empenhado em
dinamizar e modificar o interior recôndito do país, dentro do entendimento
político dominante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Alguns
colegas queriam decididamente ir, por razões políticas, animados de espírito
revolucionário. E outros não queriam ir, também por razões políticas, de sinal
contrário. Mas a grande maioria queria realmente colaborar em algo que ajudasse
a dinamizar o país, a torná-lo melhor, convictos de que se estava a viver uma
mudança. Só que daí a saírem da sua rotina, do seu conforto, faltava um bom
bocado, em que um certo egoísmo, ou egocentrismo, marcava posição… E, sobretudo,
viam com preocupação interromper a sua carreira, ainda mal começada, que ao
tempo se resumia à via hospitalar ou à académica, ou ambas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: -.05pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">A minha postura pessoal dalguma rejeição
assentava, para além da carreira, no facto de achar – e a lógica, apesar de
tudo o que depois se passou, continua a parecer-me presente – que seria apenas
populismo enviar médicos inexperientes para zonas sem cuidados médicos
organizados, em vez de criar verdadeiros hospitais periféricos, povoando-os com
especialistas, e só depois lá colocar médicos em fase de aprendizagem. A isso se
juntava o facto de, como a grande maioria dos colegas de Coimbra, já ter
perdido um ano seis anos antes, aquando da greve estudantil de 1969. Achava, portanto,
que se anunciava simplesmente outro ano de atraso!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Tudo foi
discutido em reuniões gerais de médicos, cujas conclusões, votadas na
assembleia, eram transmitidas ao Director Geral dos Hospitais pelos respectivos
elementos da Comissão (concordassem ou não individualmente com elas…). Acabou
por ser decidida a nossa ida, com o nosso acordo, e o que vou descrever diz
respeito à Região Centro, uma vez que não houve disposições ministeriais que
dessem uma forma e um conteúdo definidos ao trabalho a executar, e que permitissem
avaliá-lo depois.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">A escolha dos
locais recaiu sobre as zonas “piores”, quer dizer, aquelas com maiores
carências, e com mais dificuldades sanitárias, onde se pressupunha mais necessária
a presença de médicos. Isto é, para além de periferia, escolhemos a extrema
periferia. Não pelas vilas onde sediámos as equipas, mas pelo território
envolvente e que seria o objectivo principal da nossa acção. Esse era o nosso
projecto. À minha equipa, constituída por cinco rapazes e uma rapariga, calhou
Castro Daire, terra onde, como diz o outro, fomos muito felizes, e fizemos
amigos, entre eles os três médicos locais, os Drs. Zeca, Jorge e Júlio, agora
já falecidos, e dos quais guardamos as melhores recordações pessoais.
Ofereceram-nos mesmo um jantar festivo de despedida, nas termas do Carvalhal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Ficámos a
viver numa velha casa parcamente mobilada (se é que se pode dizer assim…),
perto do Hospital da Misericórdia, o qual tinha ao lado o posto clínico das
Caixas de Previdência, onde os médicos locais, com os quais não mantivemos
contacto profissional, faziam umas consultas, para além de ocasionalmente
internarem uns doentes no hospital. Aqui encontrámos um grupo de militares da
dinamização cultural do MFA a pernoitar, os quais, elucidados por nós que
precisaríamos das camas do hospital para deitar doentes, foram aboletar-se na
prisão do Tribunal, felizmente na altura sem “hóspedes”. Brincávamos então entre
nós dizendo que tínhamos começado por meter o MFA na cadeia!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Organizámos
duas enfermarias, homens e mulheres, num total de 27 camas, com pessoal
auxiliar da Misericórdia e quatro enfermeiros, uma da Misericórdia e mais três
do “posto das Caixas”. Estes vieram voluntariamente trabalhar connosco, também
eles entusiasmados com a novidade e com a obra que poderíamos todos juntos
fazer, percebendo que seria muito mais do que tinham sido até aí chamados a
fazer. Estabelecemos as consultas externas, diárias e com horário fixo, e as
urgências, de 24 horas, todos os dias, incluindo fins de semana, sempre com
médico e enfermeiro em presença física. Recebíamos doentes agudos e crónicos, e
traumatizados de todos os tipos, enviando para Viseu só os que não conseguíamos
estudar ou tratar em condições. Desbridamento de feridas, pensos, suturas,
talas, gessos, passaram a ser a nossa rotina, com doentes internados pelos mais
variados motivos, com visita médica diária e cuidados sempre que necessários. O
nosso maior receio no início eram os partos, porque só um de nós queria ir – e
foi – para Obstetrícia; por isso pedimos ao Director da Maternidade Bissaya
Barreto, Dr. Vicente Souto, que nos desse umas lições eminentemente práticas, e
tudo correu bem igualmente nessa matéria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Pela relação
de amizade que estabelecemos com outro jovem, o responsável administrativo do
posto, conseguimos, mercê também do momento de agitação que se vivia no país,
que o que fosse feito aos doentes beneficiários das Caixas de Previdência que
vinham ao hospital, por doença natural ou por acidente, fosse imediatamente
pago à Misericórdia, mas movimentando nós o dinheiro respectivo. Desse modo
pudemos aplicá-lo no próprio hospital, em camas, janelas, cozinha, material de
consumo e outro, mobiliário vário, medicamentos. Neste último campo usávamos
muitas amostras, mas tudo o resto que fazíamos a esses doentes era pago, e dava
para os que não pagavam nada. E o afluxo de pacientes foi crescendo de dia para
dia. Depois do dinheiro que aplicámos no edifício e no seu recheio e gastámos
com os doentes, deixámos 200 mil escudos na conta do hospital quando viemos
embora!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Mas o
objectivo principal era a extrema periferia, e por isso abrimos seis postos de
consulta, um para cada um de nós, onde íamos uma vez por semana, excepto quando
nevava de modo a interromper o caminho para lá, o que no meu posto de Monteiras
aconteceu uma meia dúzia de vezes. No fim de semana ficava apenas um de serviço
no hospital, e esse folgava na semana seguinte em Coimbra. No entanto, o “seu”
posto não ficava sem consulta, e era um dos colegas que o ia sempre substituir.
E também fazíamos visitas ao domicílio, às vezes num <i style="mso-bidi-font-style: normal;">jeep</i> com um dos militares do grupo lá destacado, um tenente
veterinário que foi o único com quem convivemos e que se tornou nosso amigo. Tendo
vivido toda a vida em ambiente citadino, foi para mim um choque encontrar
pessoas para quem a falta de médico era apenas um pequeno pormenor, já que não
tinham electricidade, água canalizada, sanitários, estradas asfaltadas. Foi
para mim uma experiência marcante visitar essas pessoas como médico, ir às suas
casas, comer com elas do que tinham (pão, chouriço, presunto, queijo, vinho,
uma bela sopa cozinhada num pote de ferro na lareira…), numa mesa de madeira à
luz dum candeeiro de petróleo, e que me ofereciam com gentileza, não como paga de
nada mas em sinal de agradecimento pela minha presença ali com eles. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: -.05pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Alguma
dessa gente esquecida esteve internada no hospital, e muitos outros foram
vistos em consulta perto de suas casas. Foi um país a acordar para outro, e este
a perceber que afinal queriam que ele vivesse. E a nossa ida contribuiu para
estabelecer esse contacto, e dar esse sinal, ao mesmo tempo que estabelecemos
uma rede de cuidados que mais tarde evoluiria para os cuidados de saúde
primários. Pondo a funcionar também um hospital público, com atendimento
contínuo de proximidade, resolvendo os problemas da maior parte dos que nos
procuravam, localmente, com uma grande comodidade para eles e um enorme ganho
de tempo, e desviando doentes de hospitais maiores e com mais recursos, que
seriam excessivos. Foi sem dúvida nenhuma o primeiro passo para um Serviço
Nacional de Saúde, que viria a ser criado no papel quatro anos depois e
aperfeiçoado daí em diante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: -.05pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Ao contrário do que eu pensava, foi
possível fazer o caminho inverso, começar com pouco e ir progredindo, de baixo
para cima, seguindo o modelo criado empiricamente. É que eu não contava com
duas coisas: o estado paupérrimo em termos de cuidados de saúde básicos nos
territórios do interior, em necessidade absoluta de ajuda, por um lado, e, por
outro, o espírito entusiástico e empreendedor da juventude destacada durante
alguns anos para fazer aquele serviço. Foi esse entusiasmo que nos manteve
unidos, sem controlo ou vigilância de ninguém, empenhados afinal<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>em fazer aquilo que todos gostávamos de
fazer: ser médicos. O trabalho de enfermaria, as consultas, os procedimentos na
urgência, as visitas domiciliárias, faziam parte desse trabalho, a que não éramos
realmente obrigados mas que víamos bem ser muito necessário por parte de quem
nos rodeava. Foi muito gratificante sentir essa necessidade e sermos capazes de
nos organizar de modo a satisfazê-la, da melhor maneira que nos foi possível. E
foi sem dúvida um privilégio ter podido viver esse tempo, de aventura, ilusão e
realização, em que crescemos como médicos e como pessoas. Às vezes perguntam-me
se seria bom haver outra vez serviço médico à periferia, e eu respondo: “Não,
já não faz falta. Agora o que é preciso é que o Serviço Nacional de Saúde
continue, sem perder o entusiasmo que já teve...”.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: -.05pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Número 16 da Newsletter da Cirurgia C, Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões), CHUC</span></span></div>
<br /><br />
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-77005082048903712692018-01-01T10:08:00.003+00:002018-01-01T10:40:07.941+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O LÍDER<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12pt;">O termo
“líder” vem do inglês “leader”, com origem no verbo “to lead”, que significa
guiar, dirigir, comandar. É frequentemente confundido com “chefe”, mas as duas
palavras não têm o mesmo significado, embora muitas vezes se possam aplicar com
justeza à mesma pessoa. E também “liderança”, conquanto signifique a capacidade
ou a acção do líder, também pode ser entendida de outra maneira, embora
derivando daquelas: quando é exercida por todos os membros dum grupo, sob o
estímulo do líder, cada um desenvolvendo as suas capacidades próprias e
pondo-as ao serviço da prossecução dos objectivos comuns.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Um líder é
reconhecido pelos seus pares, um chefe é-lhes imposto. Seria com certeza
desejável que líder e chefe dum grupo coincidissem no mesmo elemento, mas isso
nem sempre acontece, muitas vezes porque quem nomeia não é capaz de perceber
quem no grupo em questão tem a capacidade de o liderar, outras por não haver
mais ninguém disponível. Há anos, numa palestra sobre liderança no Departamento
de Formação Contínua aqui do Hospital, o prelector começou por perguntar: “Quem
é que se acha um líder?” Na assistência apenas dois levantaram um dedo. E ele
continuou, ignorando-os: “É assim, quem é líder não se apresenta como tal, os
outros é que o apontam”. Quer dizer, um líder é o membro dum grupo que tem a
capacidade reconhecida pelos seus companheiros de os influenciar, fazendo-os
eventualmente mudar de opinião e seguir a sua, para além de os conseguir
incentivar no trabalho e na procura de soluções para os problemas do conjunto. É
quem, na verdade, cria as condições para que o grupo avance, o que traça
caminhos e ajuda a rasgá-los; o chefe limita-se a segui-los, conduzindo os
outros. Por isso o líder não é forçosamente o que vai à frente, ou o que sabe
mais, ou o que faz mais e melhor; pode até ir atrás, orientando os companheiros,
estimulando-os, permitindo que os mais rápidos vão à frente e os mais lentos os
sigam com ânimo e sem desistirem. Nas palavras de Nelson Mandela, um líder
incontestável: “Um líder é como um pastor. Fica atrás do rebanho, deixando os
mais rápidos irem à frente, seguindo depois os outros, não percebendo que
durante o tempo todo estão a ser dirigidos da rectaguarda”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Um aspecto
muito importante do líder é esse, o de conseguir que os mais aptos do grupo que
lidera se mostrem como tal e sejam colocados nos lugares certos para terem o
melhor desempenho que conseguirem, em benefício de todos. A brilhante
personagem televisiva do “eu é que sou o presidente da Junta”, além de risível,
exemplifica claramente o que um líder não deve ser. Recentemente, num concurso
para o lugar de topo da carreira médica, o júri perguntava ao candidato, já
director de Serviço há vários anos, por que razão tinha várias ajudas numa dada
intervenção cirúrgica mas nela não tinha sido nunca cirurgião. A resposta foi: ”Porque
há no meu Serviço quem a faça melhor do que eu”. É a atitude que se espera dum
líder.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">“Ao dar
mais poder a outros, um líder não diminui o seu poder, em vez disso pode estar
a aumentá-lo - especialmente se toda a organização tiver melhor desempenho”,
palavras da Prof. Rosabeth Kanter, da Harvard Business School. E o mundialmente
conhecido Steve Jobs dizia: “O meu trabalho número 1 na empresa é certificar-me
que os trabalhadores no topo são realmente os melhores. Se assim for, tudo o
resto vai resolver-se por si mesmo e isso reflecte-se em toda a organização”.
No século XVI Nicolau Maquiavel escrevia, no seu extraordinário ensaio “O
Príncipe” (na verdade sobre liderança): “O primeiro método para avaliar a inteligência
de um governante é olhar para os homens que reuniu à sua volta”. Isto é, o
“presidente da Junta” escolhe os com menos qualidade que ele, para poder
sobressair no meio deles; o líder escolhe os melhores, até melhores que ele,
para fazer sobressair a sua obra. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Não é
sempre líder o mais carismático, o que melhor fala, o que desperta mais
interesse, fazendo que individualmente cada um queira ser como ele. Esse pode
não passar dum chefe palavroso e com ar convincente. O líder reconhece-se pelos
resultados que o grupo que lidera alcança, de acordo, naturalmente, com as
circunstâncias e os elementos que o constituem. É aquele que faz com que os
seus colaboradores se excedam no trabalho, façam o que gostam e o que não
gostam mas é preciso que façam, com satisfação e sem se aperceberem sequer
disso, envolvidos nos objectivos do grupo a que pertencem e que ele lidera. Truman
(presidente dos EUA) fazia notar que “a liderança é a capacidade de conseguir
que as pessoas façam o que não querem fazer e gostem de o fazer”. Por isso se diz atrás que a liderança é mais
do que o líder faz, ela é na verdade também exercida pelo grupo que ele lidera
e sob o seu estímulo. Andrew Carnegie (magnata do aço do início do século XX e que
se tornou num dos homens mais ricos do mundo) afirmava: “Ninguém será grande
líder se quiser fazer tudo sozinho, ou ter todos os louros por o ter feito”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">O conceito
de liderança define uma influência exercida sobre os outros que permite
incentivá-los a trabalhar com entusiasmo por um objectivo comum. Embora dependa
directamente do líder, este não deve ser considerado como parte única no
processo, sendo que os liderados também nele participam, desenvolvendo a sua
acção de forma eficiente. A liderança implica uma empatia criada entre o líder
e os liderados, pela qual estes o acompanham sem esforço aparente,
compreendendo-se todos emocionalmente, sentindo da mesma maneira. É, pois, totalmente
diferente de simplesmente mandar. Essa empatia, que se traduz numa espécie de
cumplicidade, é biunívoca, o líder não desrespeitando ou violentando os seus
companheiros de grupo, comungando com eles dos seus anseios, das suas dúvidas,
dos seus entusiasmos, conquistando-os desse modo para sua liderança e obtendo assim
os melhores resultados. A prepotência, às vezes pecha dalguns chefes, que
abusam da autoridade que lhes foi conferida, não é apanágio dos líderes. Dizia
Jean de La Bruyère que “os lugares de chefia fazem maiores os grandes homens, e
mais pequenos os pequenos homens”. O nosso povo diz: “se queres conhecer o
vilão, mete-lhe um caco na mão…”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Paralelamente
ao respeito e consideração pelo seu grupo, o líder tem de ter a capacidade de
ouvir e aceitar as críticas que de dentro dele lhe façam, tendo-as em
consideração e discutindo-as, interagindo assim com os companheiros que o têm
como líder. Mais uma vez, alguns chefes “não se dão ao luxo” de o fazer. Mas,
de novo segundo Mandela, “os líderes sabem bem que a crítica construtiva no
seio das estruturas da organização, por mais agressiva que seja, é um dos
métodos mais eficazes de resolver problemas internos”. Essa interacção é muito
importante para os resultados conseguidos pela liderança. De acordo com o economista
Prof. Robert Townsend, “a maioria das pessoas nas grandes empresas são geridas,
não lideradas. São tratadas como pessoal, não como pessoas”, por chefes que não
são, obviamente, líderes e, por isso, a liderança nesses casos não existe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">O líder é o
estímulo, mas é também o refúgio e a esperança do grupo nos momentos difíceis. É
o elemento a quem os outros se acolhem e a quem recorrem naturalmente perante
as dificuldades sentidas colectivamente. É aquele de quem os outros esperam que
os conduza pelo meio dos escolhos e encontre um caminho de saída. No dizer de
Napoleão Bonaparte, “um líder é um vendedor de esperança”. “O líder acredita e
faz acreditar” (Rui Nabeiro).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">A
capacidade de liderança é inata, é própria de quem é líder, não pode ser
adquirida, mas pode ser treinada e melhorada, como uma competência. Por isso é
razoável haver tantos artigos, palestras, opiniões expressas sobre ser líder e
liderança. Tudo isso chama a atenção para a sua importância nas organizações,
permite perceber a diferença entre ser chefiado e ser liderado, e leva a que
quem tem condições de liderança o possa assumir em plenitude. Muitas vezes são
as circunstâncias que fazem um líder mostrar-se como tal, e são elas sobretudo,
no seu tempo e no seu modo, que “criam” lideres, muito mais que quaisquer
cursos de liderança. Não é que estes sejam inúteis, servem sem dúvida para que
quem o é possa melhorar e aproveitar as suas capacidades, mas também para os
outros perceberem como podem e devem seguir um líder, contribuindo
positivamente para sua liderança sem se anularem nela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Há, por
vezes, dentro duma organização, um ou vários líderes que não querem assumir
funções de chefia, por não pretenderem essa responsabilidade formal,
mantendo-se como líderes informais; funcionam então frequentemente, até de modo
involuntário, como guardiães das expectativas do grupo e contribuem para a sua
coesão. Enquanto que há quem, sem ser líder, se ponha em bicos dos pés para
chefiar. Como atrás se disse, o desejável é que chefe e líder coincidam nas
mesmas pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 15pt; margin-bottom: 6pt;">
<span style="font-size: 12.0pt;">Finalmente,
de tudo o que fica dito sobre as qualidades gerais que um líder tem de ter para
o ser, compreende-se, porque as pessoas não são todas iguais, que haja diversos
tipos de líder, e de liderança, de acordo com a personalidade de cada um e as
suas circunstâncias e as do grupo onde está inserido. Poderemos ter, assim, liderança autocrática, democrática ou liberal. E perfis diferentes para
os próprios líderes, como: carismático, exigente, autocrático, liberal, visionário,
democrático, treinador, burocrático, transacional. Seja
como for, o líder e o exercício da liderança são definidos do modo enunciado
atrás, e avaliados sobretudo pelos resultados do colectivo liderado em questão.
Por vezes é visível a acção do líder durante a sua actuação, com líderes mais
carismáticos, noutras ela só se torna evidente quando ele se vai embora e a
liderança desaparece. Segundo Lao Tsé, “quando o líder efectivo dá o seu
trabalho por terminado, as pessoas dizem que tudo aconteceu naturalmente”. Até
parece que ele não fazia falta…<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<b><i>Carlos Costa Almeida</i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Newsletter da Cirurgia C, Número 15, 31 de Dezembro de 2017. Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões) - CHUC</span></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-25410311082603381372017-12-05T20:47:00.000+00:002017-12-05T21:15:48.722+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">INVENÇÕES E
INOVAÇÕES<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
É perceptível<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a
diferença entre “invenção” e “inovação”. A invenção assenta num princípio
totalmente novo, original, que não existia<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>antes. Inovação é uma melhoria ou uma nova aplicação, eventualmente dum
tipo diferente, de algo já antes descrito e inventado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Invenções clássicas são, por exemplo, a roda e a pólvora.
Quanto à Medicina, ela tem progredido com algumas invenções, mas sobretudo com
inovações. Uma das invenções mais básicas, mais fundamentais para a medicina
tal como a praticamos hoje, e que por isso passa despercebida quando se fala em
grandes avanços tecnológicos nessa área, é a agulha oca, ou agulha de
injecções.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É tão vulgar que quase
pensamos sem querer que terá existido sempre...<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Pois não existiu, claro, houve um momento em que foi inventada. E se
pensarmos que foi por um médico, enganamo-nos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
No século XVII (1628) William Harvey descreveu a circulação
sanguínea como ela é, publicando em Frankfurt o resultado dos seus estudos num
trabalho intitulado <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Exercitatio Anatomica
de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus</i> (em português <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Um exercício anatómico sobre o movimento do
coração e vasos sanguíneos em animais</i>). Anos mais tarde houve dois outros
ingleses, inteligentes, curiosos pelo mundo que os rodeava e a sua explicação
científica, que, sem terem nada que ver com medicina, leram esse trabalho de
Harvey. Foram eles Sir Christopher Wren, arquitecto, físico e astrónomo, que
dirigiu a construção da Catedral de S. Paulo, em Londres, bem com a
reconstrução da “city” londrina após o fogo que quase a consumiu por completo,
e um seu amigo, o bem conhecido físico e químico Robert Boyle. Dessa leitura perceberam
como se realizava a circulação do sangue, do coração para o coração, pelas
artérias e pelas veias, e, raciocinando sobre isso, pensaram que seria possível
introduzir algo nela artificialmente, sem seguir o trajecto normal a partir do
intestino, pela absorção. E resolveram, com entusiasmo, testar essa hipótese.
Para isso serviram-se dum cão, a quem expuseram uma veia superficial e nela
introduziram um tubo oco (base duma pena de ganso), pelo qual injectaram uma solução
de ópio, usando uma bexiga de animal para forçar a entrada do líquido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O ópio era fumado e desse modo conheciam-se os seus efeitos, e
como era preciso uma prova de que o que era introduzido directamente na veia
seguia o caminho sanguíneo normal, esperava-se que tais efeitos se
manifestassem no animal. E foi isso que aconteceu: aquele cão foi, assim, o
primeiro “pedrado” por via endovenosa!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Wren e Boyle escreveram a experiência, publicaram-na, e
continuaram as suas vidas longe da medicina, deixando para ela uma ideia
brilhante. Mas como tantas vezes acontece a quem está à frente do seu tempo e
não é compreendido, essa ideia não foi aproveitada. Só no século XIX ela foi
recuperada, primeiro para administração subcutânea de líquidos, através dum tudo
oco com um trocarte aguçado dentro, e depois com a inovação das agulhas
metálicas pontiagudas para injecções subcutâneas, intramusculares e endovenosas,
com o uso de seringas, surgindo depois a inovação dos sistemas tubulares de
administração intravenosa. As seringas já existiam no tempo<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dos romanos, serviam para introduzir líquidos
em espaços limitados, e foram sendo modificadas e aperfeiçoadas ao longo dos
tempos, por sucessivas inovações. A seringa de vidro, na forma como hoje a
conhecemos, apareceu em meados desse século.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Pode-se dizer que a agulha oca abriu o caminho à medicina
moderna, quer do ponto de vista diagnóstico, quer terapêutico. Punções as mais
variadas, cateteres de todos os tipos, não existiriam sem ela. Ligada ao
aparecimento dos cateteres,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>outra invenção
foi o cateter de balão para embolectomia. E os balões para angioplastia, depois
com a inovação do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">stent</i> que fica no
local após a plastia arterial.</div>
</div>
</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt;">
Do ponto de vista imagiológico há inúmeras inovações, a partir
da invenção que foi a radiografia. Também nas técnicas <span style="color: black;">cirúrgicas
as inovações vão aparecendo, muitas delas baseadas nas inovações tecnológicas
cada vez mais frequentes, muitas delas </span>motivadas pelas necessidades sentidas
pelos cirurgiões na sua prática. E tem havido translação de técnicas dumas
áreas cirúrgicas para outras, levadas a cabo por cirurgiões com uma experiência
ampla, dumas e doutras.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Uma inovação cirúrgica importante, que correspondeu na
realidade a uma mudança de paradigma, foi, às clássicas intervenções de
ressecção, de remoção do que está doente, se terem juntado intervenções
planeadas de acordo com a fisiologia, e a fisiopatologia das doenças em causa,
de modo a, através de alterações anatómicas, se poder recuperar, ou modificar,
uma função. Foi uma inovação conceptual, que trouxe o que podemos chamar “cirurgia
fisiológica”, de que são exemplos a cirurgia do refluxo gastroesofágico e a
cirurgia metabólica e da obesidade.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Thomas Fogarty, o inventor do cateter de embolectomia, diz que
“os inovadores quebram regras e vão contra o que está estabelecido”. Na
verdade, é sabido que se fazem coisas extraordinárias, em termos de novidade e
mudança, fora das <i style="mso-bidi-font-style: normal;">guidelines</i>. O que
não impede que estas se devam conhecer, e sobretudo os princípios e os
trabalhos que a elas levaram. Precisamente não se pode ignorar o conhecimento
destes se quisermos tentar fazer diferente. Mas o seguimento cego de
protocolos, por quem só sabe fazer duma maneira e faz sempre igual, não conduz
seguramente à inovação e ao progresso.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="mso-bookmark: _Hlk499649095;">Finalmente, uma
chamada de atenção para que o que é novo não é sempre bom, ou melhor. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Devemos ter um espírito aberto para as
inovações, mas ao mesmo tempo crítico, capaz de avaliar os prós e os contras, e
sem querer forçosamente seguir a novidade apenas para sermos “modernos”.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Há sempre um tempo para se afirmar a validade
duma inovação, ou para a infirmar. Esse tempo de espera avaliadora vale nos
dois sentidos: para se dizer que é válida e se deve passar a usar, ou para se
chegar à conclusão que não traz vantagens e por isso se deve abandonar. Lembremo-nos
que nem tudo o que é inovação funciona bem logo de início, às vezes a ideia é
boa mas a sua aplicação na prática demora a aperfeiçoar-se, e há que aguardar,
ou procurar, esse aperfeiçoamento, sem a falta de paciência de a recusar precocemente,
não lhe dando a oportunidade de se vir a afirmar.</span><span style="mso-bookmark: _Hlk499649095;"></span><span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="mso-bookmark: _Hlk499649095;"><i><span style="font-size: small;"><b>Carlos Costa Almeida</b></span></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-size: x-small;">In <i>Newsletter da Cirurgia C, Número 14, Novembro de 2017 (</i>Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral-CHUC<i>)</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="mso-bookmark: _Hlk499649095;"><br /></span></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-7226272830617353342017-11-04T20:07:00.002+00:002017-11-04T20:09:26.404+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: large;">Cidades que crescem com a Saúde, Saúde que decresce com a cidade</span><o:p></o:p></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>“</b>Coimbra já não tem
tamanho, não vale a pena...!” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Ouve-se e lê-se a cada passo nesta cidade que Coimbra não tem
tamanho para ter tantas instituições de saúde como tem. Ou melhor, como teve. Felizmente
que há quarenta anos atrás Bissaya Barreto não pensava assim, e com ele outros
homens de visão – entre eles o recentemente falecido Dr. Viriato Namora -, que
idealizaram e ergueram, já contra a vontade de alguns coimbrinhas da altura, o Centro
Hospitalar de Coimbra (CHC). A acrescentar ao Hospital da Universidade, não em
vez dele ou contra ele. Como mais um argumento, e poderoso, para a Saúde em
Coimbra. Que não prejudicou o HUC, antes levou indirectamente, por comparação
das condições na altura entre ambos, à construção do seu actual edifício,
construído com o CHC em pleno funcionamento. Passou a haver dois hospitais
centrais, para além dum hospital especializado, escolas de enfermagem,
institutos de investigação, escolas ligadas à saúde, muitos médicos e muito
outro pessoal de saúde e, claro, muitos doentes. O que acabou por levar Coimbra
a merecer o título de “capital da Saúde”. Foram sem dúvida Bissaya Barreto e os
seus colaboradores quem lançou as raízes para que isso pudesse um dia tornar-se
realidade. Quarenta anos depois tudo agoniza… porque não vale a pena…<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Coimbra tem 150.000 habitantes (se contarmos com a margem
esquerda, embora alguns coimbrinhas não a incluam ou, pior, achem que são só “arredores”...),
deixou de ser a terceira cidade do país em população, que nela tem vindo a
diminuir. Vive da Universidade (com 25.000 alunos), que tem sofrido o embate
doutras universidades recentemente criadas, e da Saúde. Esta tem visto a sua
capacidade instalada ser posta em causa, e progressivamente reduzida, por se
achar que com a cidade a diminuir de tamanho a Saúde também tem de diminuir. A
cidade não merece tanta capacidade instalada… para pouca gente…. Não vale a
pena…<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Cambridge, cidade universitária de Inglaterra com 124.000
habitantes (menos 26.000 que Coimbra), dos quais também 25.000 são estudantes
da Universidade fundada em 1209, a quarta mais antiga do mundo, por onde
passaram e trabalharam 37 prémios Nobel. Sem grande comércio, vive sobretudo da
sua Universidade e da Saúde. Indústria, apenas a ligada directamente à
investigação universitária, em especial no campo informático e bioquímico. Tem
três grandes hospitais públicos e vários privados, e um campo de saúde recheado
de escolas e de muitos institutos nessa área, que atraem gente de todo o mundo,
médicos, investigadores, doentes, servidos por uma grande rede de hotéis e bons
transportes (entre eles um aeroporto). A apenas 80 km da capital, Londres, com
14 milhões de habitantes e 73 hospitais. Um terceiro foco de rendimento da
cidade é o turismo, tal como acontece com a sétima cidade universitária mais
antiga do mundo: Coimbra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Rochester, no Minnesota, Estados Unidos da América, tinha
apenas 13.700 habitantes em 1920 quando foi lá criada a Clínica Mayo, hoje uma
das mais prestigiadas instituições de saúde do mundo. Actualmente a cidade tem
106.000 habitantes, com dois grandes hospitais gerais e vários especializados,
num total de 2.100 camas e 33.000 trabalhadores só no campo clínico. A cidade
cresceu com a Saúde e vive exclusivamente dela, com os profissionais e doentes
que se deslocam de todo o mundo para lá trabalharem, aprenderem e tratarem-se, e
de tudo o que está com ela relacionado. Para os habitantes da cidade, um dos
hospitais da Clínica tem uma ala exclusivamente reservada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Quer dizer, algumas cidades crescem com a Saúde, juntam
esforços, recursos económicos, tecnológicos e humanos, conhecimento (42 % da
população de Cambridge tem formação superior), <i>know-how</i>, hospitais e doentes, para poderem ser verdadeiras
“capitais da saúde”, com tudo o que isso traz de bom para as próprias cidades e
seus habitantes. Coimbra, pelo contrário, querem que definhe acompanhando a sua
diminuição de tamanho, pretendem que a Saúde se reduza ao nível da sua baixa de
população, dizendo que não vale a pena ser maior do que o tamanho cada vez
menor que tem... Numa espiral descendente
que não augura nada de bom!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Mas se houve em Coimbra gente grande que soube prever e
projectar o futuro, esperemos que volte a haver. Em tempo útil, antes que a
cidade se torne em apenas mais uma capital de distrito deste país, com a Saúde
correspondente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<i><span style="font-size: x-small;"><b>Carlos Costa Almeida</b><o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<i><span style="font-size: x-small;">Cirurgião, Professor da
Faculdade de Medicina de Coimbra</span><o:p></o:p></i></div>
<i style="text-align: justify;">I<span style="font-size: x-small;">n </span></i><span style="font-size: x-small; text-align: justify;">Diário de
Coimbra, 3 de Outubro de 2017, pág. 14</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<o:p></o:p></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-25785046040432291062017-09-02T10:50:00.000+00:002017-09-02T10:56:31.774+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div align="center" class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">GUIDELINES</span></i></b><b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> E CONSENSOS<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Carlos
Costa Almeida<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Guidelines</span></i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">, linhas de orientação, orientações, directrizes, são
sinónimos que significam indicações compiladas por alguém no sentido de tornar
a execução dum procedimento mais fácil, por mais automática e sem exigir tanto
esforço de decisão, e mais igual sejam quais forem os intervenientes, seguindo
todos essas mesmas indicações, admitindo-se também que assim se possa obter maior
qualidade. Em medicina, orientações clínicas são <i>guidelines </i>estabelecidas em geral para alguns aspectos de
diagnóstico, terapêutica ou <i>follow-up</i>
específicos nalgumas patologias, habitualmente por serem mais complexos, ou
saídos duma discussão recente ou estarem ainda sujeitos a alguma. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Desde sempre houve <i>guidelines</i> em medicina, a forma de se
chegar a elas é que mudou. Durante milhares de anos assentaram na tradição, ou
em argumentos da autoridade e da experiência de médicos de renome, que as
redigiam, e impunham (<i>magíster dixit</i>),
e eram entendidas a partir daí quase como uma bíblia pelos seus vindouros, até
que surgiam outras, doutras proveniências, sobre os mesmos temas, que as
alteravam ou até totalmente contrariavam. Mas hoje vivemos na época da medicina
baseada na evidência, e embora esta não seja a melhor tradução de “evidence-based
medicine” todos a entendemos correctamente. Já não bastam opiniões pessoais,
mesmo que vindas de profissionais muito experientes e sabedores, há que fazer
estudos e avaliar resultados do ponto de vista estatístico para lhes encontrar
o significado que permita tirar conclusões científicas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O conhecimento médico procura ser
hoje o mais científico possível, embora sem descartar, naturalmente, a arte que
a prática médica também implica. Para além da investigação científica, de base
experimental e laboratorial, recorre-se actualmente a conhecimento científico
baseado em avaliações estatísticas de grandes grupos de doentes, ou a revisão
de múltiplos trabalhos científicos sobre o mesmo tema realizados de forma
considerada adequada, e é a partir desse
conhecimento científico que nalgumas situações são elaboradas <i>guidelines</i>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Quem as elabora? Qualquer um o pode
fazer, recorrendo aos mesmos conhecimentos disponíveis para todos, mas em geral
são grupos de profissionais, de sociedades científicas, capítulos de sociedades
mais ligados ao tema em debate, associações de médicos. Admitindo que
actualmente as <i>guidelines</i> procuram
sempre uma base científica, o valor intrínseco de cada uma está, no entanto,
muito dependente da sua origem, de quem as elaborou, por um lado, e, por outro,
da forma como se chegou a ela, e a nenhuma se pode atribuir um valor absoluto e
indiscutível. Aliás, uma orientação é isso mesmo, serve para orientar, e não
implica uma obrigatoriedade estrita no seu cumprimento. É uma ajuda, todos
devemos ter conhecimento das que dizem respeito à nossa actividade, mas não são
um protocolo que se tenha de seguir sempre rigorosamente. Em primeiro lugar,
porque podem variar segundo a sua autoria, daí a importância de se saber a sua
origem e a preocupação cada vez maior de instituições médicas de relevo
quererem ter as suas, bem como de organizações governamentais nos vários
países, que as elaboram, através de reconhecidos peritos convidados para o
efeito, para terem presumivelmente uma maior garantia de qualidade. Exemplo
disso, e louvável, é a nossa Direcção Geral de Saúde e as várias orientações
clínicas que vai produzindo. Depois, para além de variarem segundo os
conhecimentos, a experiência e a capacidade de quem as faz, podem variar com o
tempo, são sempre datadas, é preciso serem substituídas de vez em quando. E um
problema, por exemplo, é saber quando já deviam ter sido substituídas e ainda o
não foram.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Há, frequentemente, a tendência
para pensar que o que é científico, ou foi obtido por métodos científicos, é
certo e está para além de qualquer dúvida ou discussão. E esta é uma ideia
errada e que pode ser perigosa. Porque o que caracteriza, na realidade, a
ciência é a sua incerteza! A ciência está em constante evolução, progride
continuamente pela investigação, na procura da verdade. Mas o que hoje parece
verdade amanhã pode não ser, e ser até errado. É nesta incerteza na procura que
reside o valor e o interesse da ciência, como algo que nunca está esgotado.
Algo que, por exemplo, não se pode resumir a uma simples orientação... Não que
elas não devam existir, devem com certeza, para simplificar, lembrar,
estandardizar, tornar mais eficiente o conhecimento que cada um tem do assunto
em questão, mas sem que se pretenda que substituam esse conhecimento! Não se
podem diagnosticar, tratar, seguir, doentes apenas por <i>guidelines</i>, sem estar dentro da respectiva patologia; mas é
importante conhecê-las e aplicá-las, percebendo eventualmente quando há que
fazer algo diferente, de acordo com o que se sabe do assunto e do doente em causa.
É frequente dizer-se com propriedade que
muita coisa boa se pode fazer conscientemente fora das<i> guidelines</i> – mas desde que se conheçam, acrescento eu...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Nalguns problemas médicos sem
consenso no que respeita à etiologia, etiopatogenia, diagnóstico, terapêutica ou
<i>follow-up</i>, com dúvidas e discussão em
curso, recorre-se por vezes a reuniões chamadas de consenso. Juntam-se peritos
da área em apreço que, em conjunto, baseados no conhecimento científico de que
se dispõe no momento, se manifestam sobre o assunto. Esses consensos correspondem,
pois, a opiniões assentes em dados científicos e procuram traduzir o estado da
arte na matéria em questão, podendo levar mais tarde à criação de <i>guidelines</i>. Como em qualquer consenso,
não é forçoso que os membros do grupo constituído estejam todos de acordo, e
não se atinge por votação em que os que são a favor sejam em maior número que
os que votam contra: é necessário é que haja uma maioria a favor e os outros
não sejam contra.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Tratando de problemas relacionados
com a investigação científica, e dada a incerteza que caracteriza a ciência,
ainda mais em questões que, por definição da necessidade de consenso, não estão
bem estabelecidas, também há necessidade da revisão periódica destes consensos,
embora talvez menos vezes que das orientações clínicas. E também o seu peso
científico está relacionado com o peso individual de quem integrou o grupo de
consenso, e a forma como foi atingido, podendo até haver conclusões diferentes
de grupos diferentes, na mesma altura e sobre a mesma matéria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Consensos médicos são, pois,
afirmações científicas sobre determinados assuntos feitas por conjuntos de
peritos que se pretendem representativos da comunidade científica, e que se crê
traduzirem o que a <i>evidence-based
medicine</i> nos diz no momento em que elas são feitas, nomeadamente envolvendo
investigações específicas a decorrer. Correspondem a imagens da realidade
médica, necessariamente datadas mas que terão sempre, naquela data, de ser
tomadas em conta na prática médica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Finalmente, de notar, porque não
infrequente, o facto de um consenso científico que se formou sobre um determinado
assunto poder ser extrapolado para fora da ciência e usado como argumento ou
força de pressão numa discussão doutro cariz, ou para basear uma qualquer teoria
doutro tipo, noutro contexto, por exemplo social, económico ou político, inclusivamente
esquecendo-se o seu carácter necessariamente incerto e sujeito a mudanças. E do
mesmo modo ao contrário, isto é, a falta ainda de consenso científico pretender
ser tomada como a sua ausência definitiva e irrevogável.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> <o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Guidelines</span></i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> e consensos constituem, assim, parte integrante da
medicina baseada na evidência, e têm de ser compreendidos, valorizados e utilizados
como aquilo que são.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;"><i>In</i> Número 12 da <b>Newsletter do Serviço de Cirurgia C</b>, Hospital Geral (Covões) - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra</span></span></div>
</div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-72341199646838935532017-08-26T20:42:00.001+00:002017-08-26T20:44:23.821+00:00<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: large;">António Arnaut, os médicos e a Saúde no seu tempo</span></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="text-align: left;">Carlos Costa Almeida</b></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Nasci como cirurgião ao mesmo tempo que o Serviço Nacional de Saúde, e temos feito juntos o nosso caminho. Por isso António Arnaut sempre fez parte do meu imaginário enquanto especialista hospitalar, ele e a sua equipa, eles e alguns que os antecederam lançando bases e ideias, e muitos que, do seu partido ou doutros, lhes souberam dar continuidade. Até hoje. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas mal imaginava eu, no Verão quente de 1975, jovem médico terminando o internato policlínico e enviado para o primeiro Serviço Médico à Periferia, a importância de que esse Serviço se iria revestir na organização sanitária do nosso país. Nessa altura achava – e a lógica, apesar de tudo o que depois se passou, continua a parecer-me presente – que seria apenas populismo enviar médicos inexperientes para zonas sem cuidados médicos organizados, em vez de criar verdadeiros hospitais periféricos, povoando-os com especialistas, e só depois lá colocar médicos em fase de aprendizagem. Mas não contava com duas coisas: o estado paupérrimo em termos de cuidados de saúde básicos nos territórios do interior, em necessidade absoluta de ajuda, por um lado, e, por outro, o espírito entusiástico e empreendedor da juventude destacada durante alguns anos para fazer aquele serviço. Sem dúvida que foi um pontapé de saída que ajudou a gizar mais tarde o SNS, depois de levar de imediato saúde a quem dela muito necessitava.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E o SNS não seria o que é sem as Carreiras Médicas, já que foi por elas que os tais hospitais periféricos se foram organizando e povoando com especialistas, que jovens médicos passaram a ir para lá continuar a sua aprendizagem, supervisionados, e que, assim, na realidade se estabeleceu o que a mim me parecia, em 1975, ser o primeiro passo a dar. As Carreiras, a que dediquei uma boa parte da minha vida, constituíram uma estrutura hierarquizada baseada na competência e na experiência, reconhecidas e avaliadas, e foram o suporte para que no SNS se possa ser tratado com igual qualidade em qualquer parte do país.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não há dúvida que o Dr. António Arnaut, hoje um amigo, esteve sempre presente na Saúde portuguesa depois de ter tido a coragem de fazer promulgar a lei do Serviço Nacional de Saúde. Nunca o abandonou, seguindo de perto o seu estabelecimento e crescimento, com a participação e o entusiasmo doutros políticos e de muitos profissionais que o tomaram como deles e nele se empenharam. E diga-se que é com orgulho que me incluo, com tantos colegas, nesse grupo, um grupo vasto que contribuiu para fazer do SNS português um dos melhores serviços públicos de saúde do Mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar,</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">in <i><b>António Arnaut, Fotobiografia</b></i>, 2017, ed. MinervaCoimbra</span></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-12824533806948782622017-04-15T20:18:00.001+00:002017-04-15T20:20:55.108+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b>O “CURRICULUM VITAE” <o:p></o:p></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Carlos M. Costa
Almeida<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O «Curriculum vitae», com aquilo a que se tem chamado a sua «discussão»
(avaliação), constitui, nos nossos concursos como, em boa verdade, nos dos outros
países, uma peça fulcral.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
«Curriculum vitae» significa «curso da vida». Tratando-se de
um «curriculum vitae» dum profissional
da medicina, é
óbvio que corresponderá ao
curso da sua
vida profissional; por outras
palavras, àquilo que ele
fez, desse ponto
de vista, até ao
momento em que
o está a
escrever. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Aceite a definição, é evidente que nele não caberão descrições
mais ou menos pormenorizadas do ou dos Serviços onde o autor do «curriculum» trabalhou,
a não ser que esse ou esses Serviços tenham sentido alterações, melhoramentos, incrementos,
da sua responsabilidade pessoal, para além do seu mero trabalho diário e
rotineiro. Essas alterações, esses progressos, por si introduzidos, ou
estimulados, sim, farão com certeza parte do seu «curriculum vitae»; o resto, não. Além disso, poderá ser
lícito em termos curriculares realçar que teve oportunidade de trabalhar num
local e com profissionais que façam de algum modo uma diferença significativa
em relação ao comum dos centros da sua área médica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
As longas e pormenorizadas descrições, de carácter encomiante,
do funcionamento dos Serviços, de todo normais, apenas sugerem falta de factos
curriculares (isto é, do «curriculum vitae», ou seja, da vida profissional do autor,
quer dizer, daquilo que ele realmente fez do ponto de vista profissional,
sentindo por isso necessidade de empolar o local onde trabalha para disso obter
vantagem pessoal). Digo «apenas» porque quero deliberadamente esquecer a
hipótese de o autor do pretenso «curriculum vitae» o utilizar como elemento de
adulação dos elementos do Serviço que fazem parte do júri. Esse aspecto, tão
conhecido de nós todos, está absolutamente fora do contexto deste artigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Também não terão cabimento opiniões sobre maneiras de tratar
doentes, sobre técnicas ou tácticas cirúrgicas, ou sobre resultados
terapêuticos, a não ser que o autor tenha criado, ou experimentado, algo de
inovador nalguns desses campos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
As considerações «psico-filosóficas» sobre a Vida e os seus
segredos, sobre a Humanidade em geral e os doentes em particular, sobre o
Sistema Nacional de Saúde ou a medicina privada, etc., são também inteiramente
descabidas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O «Curriculum vitae» deve ser exclusivamente a descrição do
que o seu autor produziu enquanto profissional, daquilo que mostrou ser capaz
de fazer na fase pré-profissional, e ainda, eventualmente, de actividades
para-médicas que traduzem conhecimentos científicos, interesse e capacidade de
ensinar, de organizar, de criar, de inovar, de fazer. Da avaliação disto tudo,
do que ele conseguiu realizar, o júri poderá ter uma ideia do que ele poderá
fazer no futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
A descrição de factos, que terá em si mesma de ser
perfeitamente objectiva, deverá ao mesmo tempo ser feita de maneira que dê uma
ideia do trajecto pessoal do autor, tornando evidentes eventuais dificuldades
que tenha tido que vencer, para além das que são implícitas na sua
actividade. Estes aspectos são
importantes para a apreciação da pessoa cuja vida profissional está a ser
analisada, sem que se admita, claro, que um «curriculum vitae» possa ser
transformado num romance autobiográfico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Se os factos em si contam, a maneira como o profissional a ser
avaliado os conseguiu realizar também poderá ser importante para se ter uma
ideia das suas capacidades. Será de referir, por exemplo, que teve de trabalhar
ao mesmo tempo que estudava, por dificuldades económicas familiares; que tem,
ou teve, qualquer dificuldade física, ou doença, que lhe tornou o estudo ou
trabalho mais penoso que aos seus pares; que enquanto aluno, ou interno, foi
obrigado, por razões extra-profissionais, a mudar de estabelecimento de ensino,
ou Serviço, mantendo sempre, no entanto, o mesmo bom desempenho; que para fazer
um determinado estágio no estrangeiro teve de concorrer com outros à obtenção
duma bolsa, a qual lhe foi concedida a ele; etc., etc.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Outros factores extra-científicos, ou antes, para-científicos,
importantes para a avaliação do técnico em presença de cujo «curriculum»
científico se está, são, por um lado, o
modo como os dados são apresentados, por outro, a ortografia usada. Erros de ortografia, tal como os de
construção de frases, significam uma preparação básica medíocre, sobre a qual,
a não ter sido corrigida, dificilmente se virá a desenvolver um verdadeiro
grande profissional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
A estrutura dos «curricula vitae» poderá variar, mas, em minha
opinião, há uma base que deverá ser mantida, para mais fácil apreciação
comparativa. Base estrutural essa que continuará a mesma, seja para que
concurso for que ele seja feito. Os factos a valorizar mais é que poderão ser
diferentes, consoante o objectivo do concurso em causa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Os dados serão distribuídos por capítulos, indexados num
índice, colocado no princípio ou no fim, e que funciona como um sumário para
consulta rápida e global. A maneira como está elaborado diz muito do seu autor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O «curriculum vitae» deverá começar por um <b>Registo Biográfico</b>, com local e data de
nascimento, e filiação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Seguir-se-á a <b>Carreira
Escolar</b>, com o trajecto escolar até à Universidade. Nota final no ensino
secundário e de ingresso no ensino superior. Depois, classificação no curso de
Medicina, com menção de eventuais prémios ou distinções recebidos, e resultado
obtido no exame de seriação para acesso ao internato de especialidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Em seguida, <b>Internato</b>:
ano comum e formação específica. Onde foram essas duas parte realizadas, datas,
classificações, quem era o Director de Serviço e o Orientador de Formação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Estágios</b> feitos
fora do Serviço, eventualmente no estrangeiro. É importante dizer como foram
conseguidos: à própria custa, com a simpatia do Director (ou do Orientador,
sendo interno), ou concorrendo a uma bolsa de estudo e ganhando-a. E quais os
objectivos, enquadrando-os dentro do plano individual de preparação ou de
actividade. Bem como quais foram as suas consequências, para o próprio e para o Serviço onde está inserido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Actividade Médica Hospitalar</b>:
funções desempenhadas (incluindo a de orientador de formação), para além do
trabalho de rotina. Eventualmente criação, ou desenvolvimento, de alguma
actividade hospitalar. Possibilidade de colaborar nalgum trabalho de ponta, ou de
o criar. Funções de chefia ou de direcção de carácter clínico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Actividade Médica
Extra-hospitalar</b> eventualmente existente: funções desempenhadas,
experiência conseguida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Outra Actividade
Hospitalar</b>: cargos desempenhados, funções de direcção ou de chefia não
clínicas; cursos de gestão hospitalar, de controlo de qualidade ou de revisão
de processos; organização de reuniões científicas ou de ensino pós-graduado;
ter sido escolhido para integrar comissões ou grupos de trabalho com um fim
determinado, no Serviço, no hospital ou a nível nacional, ou para melhorar ou
iniciar algo no seu local de trabalho; etc.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Alguma<b> Actividade não médica</b>
eventualmente relevante para dar uma ideia do profissional em causa como pessoa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Concursos da carreira
hospitalar</b>: para o grau de consultor, para provimento como graduado sénior.
Local e data; classificação, absoluta e relativa, com indicação do número de
concorrentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Actividade Docente</b>,
se a houver: Faculdade de Medicina, Escola de Enfermagem, Escola de Técnicos de
Saúde, etc. Funções desempenhadas nessa actividade, e sua duração. O ensino de internos
não é sequer de referir, uma vez que faz parte da actividade normal dum especialista
hospitalar. Títulos da Carreira Académica, se for o caso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Actividade de
Investigação</b>, quando existe: clínica ou laboratorial, com indicação dos
objectivos, colaboradores, meios, locais e datas. Referir se foi admitido num
programa doutoral, e se está a desenvolver um trabalho de investigação nesse
âmbito, e qual o tema.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Conferências proferidas</b>,
onde e quando. <b>Trabalhos apresentados</b>,
escritos e orais, com locais, datas, e indicação dos autores, tornando bem
clara a posição relativa entre eles do autor do «curriculum» (um trabalho em
que se é autor único, ou primeiro autor entre dois ou três, não será com
certeza de considerar como um trabalho do Serviço com dez autores...). Poder-se-á
fazer um pequeno resumo de cada um, ou dos que se considerarem mais importantes
ou originais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Cursos</b> em que
participou, como docente ou discente, bem identificados em relação a quem os
levou a cabo, onde e quando, e com relevo para os que tiveram avaliação final,
com indicação da sua, se for o caso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Reuniões Científicas</b>
em que tomou parte activa, apresentando trabalhos, participando em mesas
redondas, fazendo palestras. Reuniões científicas que organizou ou ajudou a
organizar. Reuniões científicas a que assistiu, com indicação do título, local
e data.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Actividade Para-médica</b>
relevante, como lugares desempenhados na Ordem dos Médicos, ou em outras
associações médicas, científicas ou sindicais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b>Sociedades Científicas</b> a
que pertence. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Finalmente, no caso de se tratar duma especialidade em que haja
técnicas a executar, cirúrgicas ou outras, uma listagem quantitativa parece-me importante.
Isto é com certeza discutível, mas quando estão publicados currículos de especialidade
chamados mínimos, com carácter quantitativo quase todos, creio que será de apresentar
essa listagem. Ela, ao fim e ao cabo, sempre dá alguma ideia da experiência técnica
do seu autor. Devo, no entanto, dizer que tal listagem não é habitual noutros países,
onde é feita apenas para uso individual ou para orientação interna de cada Serviço,
ou ainda para demonstrar experiência numa determinada área específica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Realmente, se se aceita que um Serviço funciona bem e é idóneo,
todos dentro dele deverão ter experiência suficiente na respectiva especialidade
e consoante o seu grau de diferenciação. O problema é que no nosso País, cheio
de originalidades, as coisas não se passam sempre assim... Por exemplo, foram
publicados pelo Ministério da Saúde currículos de especialidade mínimos
elaborados pela Ordem dos Médicos,
através dos seus colégios; portanto, se um interno acabar o seu internato de
formação específica e apresentar o «curriculum vitae» sem listagem das intervenções
em que tomou parte, terá de se acreditar que cumpriu nesse campo o estabelecido
por lei e pela Ordem dos Médicos. Mas, ao mesmo tempo, admite-se que muitas
vezes não é possível cumprir esses currículos em todos os seus pormenores em Serviços
considerados idóneos. Logo, admite-se «a priori» que um interno pode não o ter
cumprido integralmente… e haverá, por isso, que avaliar possíveis implicações
desse facto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Como documentos finais, apenas se deverão incluir declarações escritas
do Director de Serviço, e eventualmente do Orientar de Formação ou doutros profissionais
que o queiram fazer, ou outros documentos abonatórios. Nunca o diploma de curso,
ou de inscrição na Ordem dos Médicos, ou a declaração do Hospital em como é assistente
hospitalar, ou assistente graduado, ou sénior, etc. Isso são redundâncias que apenas
servem para fazer volume.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
E um «curriculum vitae» não se deve avaliar pelo número de páginas,
pelo peso, pela organização do Serviço onde o autor trabalha (se isso não for
da sua responsabilidade), ou pelas suas opiniões sobre técnicas cirúrgicas inventadas
por outros, ou sobre a saúde em Portugal. Deve-se avaliar estritamente pelo que
o seu autor fez. E pela maneira clara, límpida, lógica, inteligente e objectiva
como o expuser.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b><i><span style="font-size: x-small;">Carlos
Costa Almeida<o:p></o:p></span></i></b></div>
<span style="font-size: x-small;"><i style="font-size: small;">Director de Serviço de
Cirurgia do CHUC - Hospital Geral (Covões), Professor da Faculdade de Medicina de
Coimbra</i><i style="font-size: small;"><span lang="PT-BR">.</span></i></span>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-5163016802208472372017-04-01T16:59:00.000+00:002017-04-01T17:19:59.633+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div align="center" class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">OS MÉDICOS E A INTOLERÂNCIA<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Um bom médico é sobretudo um bom
profissional. Claro que ser simpático, compassivo, humano, pronto a ajudar, tolerante,
afectuoso com o seu semelhante, tudo aquilo que duma maneira geral contribui
para se ser uma “boa pessoa”, também ajuda, mas a pedra de toque é sem dúvida o
profissionalismo. O médico deve tratar os seus doentes da melhor maneira
possível de cabeça fria, com objectividade, deixando a afectividade que lhe
pode toldar o raciocínio e o comportamento de parte. Por isso se diz que não
deve tratar pessoas que lhe sejam muito queridas, pais, filhos, etc., e que “um
dos maiores riscos dum doente é ser amigo do médico”! Esta abstenção
profissional de afectividade permite-lhe tratar igualmente bem pessoas de quem
goste e pessoas por quem não tenha simpatia ou que deteste mesmo, o que é
fundamental sendo a população de doentes extremamente heterogénea como é. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Objectividade e sangue frio é,
portanto, o que se pretende de qualquer profissional. Mas não nos podemos
esquecer que as máquinas com que lidamos, os doentes, têm sentimentos, têm
afectividade, provavelmente especialmente exacerbada num momento de fraqueza,
de preocupação e de sofrimento como é a doença. Teremos, pois, de, objectiva e
friamente, profissionalmente, ter isso em linha de conta, não ignorar e saber
lidar com o modo de ser de cada um, com os estados de alma, os medos, as
hesitações e as dúvidas daqueles que de nós precisam para se tratar. Não por
sermos boas pessoas mas para sermos bons profissionais. Porque é sabido que
toda a actividade mental e afectiva tem repercussão física na reacção do corpo
à doença e aos tratamentos instituídos, através de substâncias químicas,
intermediários, endorfinas, de que agora pouco mais sabemos que seguramente
existem e actuam do ponto de vista fisiológico ou fisiopatológico no organismo.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Tudo isto deve ter, obviamente,
repercussões marcadas e determinantes no trato do médico com os seus doentes. Desde
Hipócrates que a preocupação do médico é com a pessoa doente, mais do que com a
doença ou as doenças consideradas no seu conjunto, como era, e é, apanágio da
medicina chamada mágica, ou da religiosa. A relação médico-doente é fulcral, e
durante muitos séculos baseou-se no dever de o médico fazer o melhor possível
pelo “seu” doente, com o direito daí decorrente de escolher a que considerar a
melhor opção para o conseguir, e o paciente simplesmente confiar nele. Foi a
época do <i>paternalismo médico</i>, os
médicos procurando fazer bem sem fazer mal e os doentes esperando exactamente
isso e a eles se entregando. Mas, no início do século passado, gerou-se a ideia
de que as pessoas doentes têm o direito de tomar parte nas decisões médicas que
a elas digam respeito, devendo para isso ser devidamente informadas. Não mais a
decisão e a responsabilidade continuaram a ser apenas do médico: elas passaram
a resultar dum contrato deste com o doente, o qual consente nos exames ou
tratamentos propostos por aquele. Ou não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Hoje em dia, pois, ao planear-se ou
decidir-se um tratamento há que dar a possibilidade ao doente de o discutir,
fornecendo-lhe as informações necessárias para que ele se sinta esclarecido e
possa livremente aceitá-lo. É o chamado consentimento eficaz, que se tem de
obter para que o nosso contrato terapêutico com o doente possa ser posto em
prática. Mas, desse modo, é possível que tal consentimento nos seja negado, e a
discussão doutras possibilidades se tenha de fazer até ele ser dado. Desde que
é um direito reconhecido ao doente, o médico tem de ter a tolerância necessária
perante alguma dificuldade em chegarem a acordo. Se bem que a grande maioria dos
doentes aceitem facilmente que o médico está a exercer o seu dever de os tratar
da melhor maneira possível, alguns têm algumas dúvidas e objecções de natureza
vária que tornam o entendimento difícil ou até impossível. Se isto acontecer,
nalgumas situações o médico poderá recusar-se a tratar aquele doente, sem que
essa <i>recusa de médico</i> seja ilícita ou
não ética; mas, pelo contrário, noutras não o poderá fazer, tendo de ceder aos
desejos expressos pelo paciente no seu tratamento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Uma das situações clássicas de
alguma dificuldade de entendimento entre médico e doente é no recurso a
transfusões de sangue e derivados em quem as recusa por razões religiosas – as
testemunhas de Jeová. Esses doentes querem ser tratados, mas não aceitam ser
transfundidos. Actualmente estamos cientes dos perigos das transfusões
homólogas e da necessidade e vantagem de utilizar o menos sangue possivel como
medicamento, e a “cirurgia sem sangue” é um objectivo a atingir sempre que
possível, inclusivamente fazendo valer uma maior maestria técnica e uma melhor
execução das intervenções. Mas mesmo com este esforço, obrigatório, assente em
razões científicas sólidas, para não recorrer ao sangue, há situações clínicas
em que, do ponto de vista médico, é inequivocamente considerada a transfusão
como fundamental. E é só nestas que o problema se deve colocar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Num contrato a distância, para uma
cirurgia de rotina, o cirurgião pode recusar-se a operar o doente se este lhe vedar
a possibilidade de utilizar sangue. E há profissionais que o fazem por
princípio, inclusive em intervenções que se podem realizar, e se devem mesmo
realizar, dentro do princípio da “bloodless surgery”, sem o recurso a sangue.
Nestas condições, a recusa do médico, ética e legal embora, reveste um carácter
de intolerância perante as convicções religiosas do seu paciente. Mesmo de cirurgiões
mais apetrechados tecnicamente e com melhores condições de trabalho e que
facilmente poderiam realizar a cirurgia sem uso de sangue, que se negam a
fazê-lo pelo princípio de não tolerarem a opção de carácter religioso do doente.
<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Se o médico aceitar tratar o paciente
sem sangue, é isso mesmo que terá de fazer. Seria inaceitável, do ponto de
vista ético e legal, quebrar esse contrato, inclusivamente nas tais condições
em que o seu uso é inquestionável do ponto de vista clínico. Se o doente,
esclarecido, assim o exigiu, assim terá de ser feito, competindo ao médico
tentar de todas as formas suprir essa falta, mesmo que com mau resultado.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Nas situações de urgência, se o
doente, esclarecido, consciente e competente, declarar a sua recusa, assim terá
de ser tratado pelo médico, ainda que intolerante para com ele. Tratá-lo-á sem
sangue, aparte isso da melhor maneira que souber, e quando muito poderá, assim que
possível, entregar o seu tratamento a outro colega que aceite fazê-lo. Mas se,
nas mesmas circunstâncias, o doente chegar inconsciente, sendo a sua recusa de
transfusão apenas comunicada por familiares, amigos ou acompanhantes, caberá ao
médico a decisão de administrar ou não sangue, de acordo com as reais
necessidades e o princípio de o usar o menos possível. Esse é o seu privilégio
legal e a sua obrigação ética, sendo posteriormente altura para o doente salvo
pela sua intervenção se mostrar tolerante para com o esforço que foi feito para
seu bem, apesar de eventualmente contra o seu credo religioso. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><b><i>Carlos Costa Almeida</i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">In </span><i style="font-size: small;"><b>Newsletter da Cirurgia C</b>, Número 7, Março 2017, Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões) - CHUC (Coimbra)</i></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-46625327354708683412017-03-04T21:50:00.001+00:002017-04-01T17:21:59.371+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: large;">O MEU MÉDICO</span><span style="font-size: 14pt;"><o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Carlos M. Costa Almeida<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-top: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span class="apple-converted-space"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">O </span></span><span style="color: black; font-size: 13.5pt;">meu médico, e da minha família, quando eu
era garoto e vivíamos em Moura, no Baixo Alentejo, era o Dr. Janeirinho. Era
ele que tratava os nossos achaques todos, o ataque de reumatismo da minha mãe,
a úlcera duodenal do meu pai, a hipertensão arterial da minha avó, as minhas
doenças de infância – só não entrou no meu quarto quando viu da porta que eu
tinha sarampo, coisa que ele nunca tinha tido e não queria ter... Foi a ele que
o meu pai recorreu quando num final de tarde quente de Verão, quase à hora de
jantar, eu dei com a cabeça na ombreira de pedra da porta, ao brincar ao
“agarra” com os meus amigos, na minha rua. Entrei em casa, já com todos à mesa,
com a cara cheia de sangue que escorria abundantemente duma ferida aberta na
testa. Fomos de imediato ao consultório do nosso médico, que era junto à casa
onde morava, e ele saiu da mesa de jantar, afável e atento como sempre, para me
vir observar, procurou estancar a hemorragia e tentou dar-me uns pontos. Digo
tentou porque, perante a minha gritaria, ele e o meu pai acordaram em deixar a
ferida cicatrizar por segunda intenção e eu ficar com a pequena cicatriz que
tenho na testa...<span class="apple-converted-space"> </span> <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="color: black; font-size: 13.5pt;">E foi ele quem enviou o meu pai de urgência para Lisboa quando a
úlcera perfurou. A ambulância teve de atravessar no cacilheiro, não havia ainda
a ponte, lembro-me bem de tudo porque a minha mãe me levou com ela na
ambulância, por não ter na altura com quem me deixar em segurança. Chegámos às
Urgências do Hospital de S. José e o meu pai esperou lá oito horas até ser
operado. Não com certeza por incompetência ou negligência, mas porque era para
onde iam praticamente todas as urgências, quase duas mil por dia, e, apesar de
ter uma equipa de cirurgia de vinte elementos (vim a saber já depois de
cirurgião), havia momentos em que não tinham mãos a medir. Felizmente teve alta
ao fim de doze dias, e no almoço de comemoração que os amigos lhe ofereceram em
Moura foi convidado de honra o nosso médico, apesar de no dia a dia não fazer
propriamente parte desse grupo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="color: black; font-size: 13.5pt;">A organização da Saúde no nosso país mudou muito desde então, com
o Serviço Nacional de Saúde, as Carreiras e os Internatos Médicos. E o termo
“médico de família” passou a ser a expressão duma especialidade médica. Mas a
verdade é que os cuidados primários e imediatos da população terão de continuar
a estar nas mãos destes médicos, tal como os nossos estavam nas do “nosso” Dr.
Janeirinho. Não sei se algum seu descendente virá a ler estas minhas palavras,
mas se o fizer ficará a saber da importância que ele teve para a minha família,
de modo a ainda hoje isso me saltar à memória quando falo do “meu médico” de
infância. Não sei que experiência ele teria em suturar feridas (provavelmente
não teria tido a possibilidade de frequentar um curso prático nessa matéria, como
um que o nosso Serviço leva a cabo, especificamente para médicos de família),
mas se calhar estava à vontade a fazê-lo depois de muitas tentativas e erros em
muitos doentes, com muito esforço e muito empenho em fazer bem o que era
preciso fazer!... Como disse, os tempos mudaram, e há condições para mudarem
ainda mais, para melhor.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="color: black; font-size: 13.5pt;">A cada passo no hospital ouvimos os doentes falarem do “seu
médico”, a quem recorrem nos seus achaques, do que ele lhes diz para fazer ou
não fazer, e que se espera encare, diagnostique e trate o que puder ser feito e
tratado no local, sem envio sistemático para os Serviços de Urgência
hospitalares. Sobretudo depois de as Urgências de proximidade terem sido
progressivamente desactivadas, substituídas por ambulâncias, táxis ou carros
particulares dos doentes ou seus familiares e amigos. Mas terão de ser
atribuídos aos médicos de família os meios e as condições para que possam lidar
no local com os “seus doentes”, daí ganhando a satisfação profissional que tal
lhes poderá proporcionar enquanto especialistas de medicina geral e familiar.
Mantendo, naturalmente, uma ligação directa e fácil com os colegas dos
hospitais da sua zona, com intercâmbio de informação, comunicação de
resultados, troca de correspondência sobre os doentes que, sendo do “seu
médico”, também passam pelo hospital. Não pode haver uma separação de cuidados,
antes uma especialização de cuidados, que há forçosamente que ter<span class="apple-converted-space"> </span> integrados, para benefício dos
“nossos doentes”.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="color: black; font-size: 13.5pt;">Com a concentração (outro nome para fusão, ou para encerramento)
de Serviços, Hospitais, Urgências, o número destes, por um lado, diminuiu e,
por outro lado, foram afastados de muitos cidadãos, marcando ainda mais a
periferia em que estes vivem, seja do país seja das grandes cidades. Por isso é
tantas vezes penoso terem de se deslocar para longe em busca de cuidados de
saúde, sozinhos ou acompanhados pela família, com perda por eles todos de tempo
de trabalho e com gasto de recursos. Procurando pequenos e grandes cuidados de
saúde em grandes Urgências concentradas, totalmente superlotadas por doentes e
profissionais, estes sempre poucos para tanta procura. Como aconteceu naquela
noite no Hospital de S. José ao meu pai, com a peritonite, a mulher e o filho
criança. </span></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="color: black; font-size: 13.5pt;">A evolução no nosso
país, durante anos de SNS, foi no sentido da descentralização, com Centros de
Saúde e com Hospitais e Urgências mais pequenos e bem equipados, espalhados
pelo país. Melhores condições mais perto dos cidadãos, desde o seu médico de
família ao seu hospital. E os resultados foram muito bons. Face ao que temos
vivido, esperemos que à descentralização não se siga a concentração de novo,
levando os doentes outra vez obrigatoriamente aos grandes Hospitais e às suas
Urgências sobrepovoadas e, por isso, impessoais e menos atentas, com muito
maior risco de erros e complicações.<o:p></o:p></span></div>
<div>
<br /></div>
<!--EndFragment--><i style="font-size: 10pt;">Cirurgião, Director do Serviço de Cirurgia C, Hospital Geral (Covões)-CHUC, Professor da Faculdade de Medicina</i><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<i>Artigo publicado na <b>Newsletter da Cirurgia C</b>, Número 6, Fevereiro 2017</i></div>
<br />Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-19310963725092633692017-03-04T21:40:00.000+00:002017-03-04T21:58:42.332+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">QUE SE LIXE! TANTO ESPECIALISTA!<o:p></o:p></span></b><br />
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<b style="font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Carlos M. Costa Almeida</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Tenho internet fixa pela linha do telefone há muitos anos.
Umas vezes melhor, outras pior, nunca bem, frequentemente a falhar, o que não
raramente me desespera e atrapalha trabalhos que estou a fazer. Há tempo que
sei da fibra, que com essa é que é bom, mas, infelizmente, na minha zona, na
periferia da cidade, tem demorado a estar disponível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Semanas atrás, o telefone fixo deixou de funcionar. E, naturalmente,
a internet, culminando um período de particularmente mau funcionamento. Liguei
para as avarias, e mandaram cá um técnico, que fez a avaliação do problema e
disse que iria providenciar o arranjo. Aproveitei para lhe referir os problemas
com a internet, ultimamente duma gravidade irritante. Pois isso não era a área
dele, ele era só dos telefones, mas, se a linha telefónica melhorasse, muito
provavelmente o acesso à internet também melhoraria um pouco. De qualquer
maneira – e, note-se, disse ele, apesar de não ser também a sua especialidade –
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ele achava que já havia possibilidade de
fibra para a minha casa. Se eu quisesse ele iria informar a empresa da minha
necessidade (como se eles não soubessem, tantas vezes eu a protestar pela má
qualidade da internet!). Pedi-lhe por favor que o fizesse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Passados uns dias, uma menina telefonou-me – a linha
telefónica já funcionava – a preparar-se para fazer um contrato comigo para
colocação de fibra em minha casa. Perguntei-lhe se, antes de mais, tinha a
certeza da possibilidade de acesso, e, caso afirmativo, como se faria tal
ligação. “Ah, isso é da área técnica, eu não sei nada disso. Mas eu vou dizer
para entrarem em contacto consigo”. “Pois é melhor, porque sem isso eu não faço
contrato nenhum” (claro que o que agora transcrevo em duas frases levou muito
mais tempo e mais palavras…).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Depois desse telefonema, e enquanto eu aguardava o contacto
do próximo especialista, o dos telefones veio de novo cá a casa, verificar a
linha. Aproveitei para tentar obter dele algumas informações técnicas sobre a
fibra. “Peço desculpa, mas como já lhe disse não é a minha área, terão de ser
os colegas da fibra a explicar-lhe”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">E continuei mais uns dias à espera. Finalmente, telefonou-me
outra menina, especialista da fibra, a confirmar que a minha casa já tinha
possibilidade de acesso. Perguntei como era feito esse acesso, explicou-me que
a fibra era um fio que viria até uma caixa de entrada em minha casa. Aí a minha
dúvida foi de como chegaria ao computador. “Através dum <i style="mso-bidi-font-style: normal;">rooter</i>”. Sim, mas onde ficará esse <i style="mso-bidi-font-style: normal;">rooter</i>, é a própria fibra que vai até ele, aproveita-se a
instalação telefónica existente, tem de se fazer outra instalação, terá de se
realizar alguma obra em casa?… “Bom, eu sou da área técnica da fibra, mas isso
que está a perguntar é com os técnicos da montagem, terá de lhes perguntar a
eles”. “Pois eu pergunto, mas só depois de eles me responderem é que eu me
decido…”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">E passada mais uma semana continuo à espera do especialista
da montagem da fibra. Já pensei ir à internet ver se aprendo como é… Mas sempre
abominei os que não sabem nada dum assunto e vão à internet aprender tudo para
depois discutir com quem sabe. Incluindo assuntos de medicina, por parte dos
doentes… E, bom, se há especialistas tão especializados, que diabo, não deve
ser assunto fácil…<o:p></o:p></span></div>
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<!--EndFragment--><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Ora, que se lixe! Tanto especialista! Acho que vou deixar como
está! Assim como assim, pelo menos já conheço o especialista dos telefones!<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<i>Director
de Serviço de Cirurgia, CHUC-Hospital Geral; Professor da Faculdade de Medicina
de Coimbra<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoFootnoteText">
<i>Artigo publicado na Revista da Ordem dos Médicos, Janeiro 2017</i></div>
</div>
</div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-7548963668133524152016-02-29T12:32:00.001+00:002016-02-29T12:33:45.950+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 14.0pt;">KANT, O MEU AMIGO E A SUBESPECIALIZAÇÃO<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Carlos M. Costa
Almeida</b><a href="file:///H:/Artigos/Em%20execu%C3%A7%C3%A3o/Kant,%20o%20meu%20amigo%20e%20a%20subespecializa%C3%A7%C3%A3o.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><b><span style="font-family: "symbol"; mso-ascii-font-family: Cambria; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-char-type: symbol; mso-hansi-font-family: Cambria; mso-hansi-theme-font: minor-latin; mso-symbol-font-family: Symbol;">*</span></b></span></a><b><o:p></o:p></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
No final do curso dos liceus, no exame do sétimo ano, um dos
meus colegas de turma teve a sorte de, em vez de reprovar, ir à oral a
Filosofia. Perante o adiamento de um desastre provável, resolveu ir falar com o
professor que lhe iria fazer o exame oral. Porque calhou, por mero acaso, ter
sido destacado para isso o nosso próprio professor, homem muitíssimo sabedor e
competente mas também exigente, o que, naturalmente, não ajudava o preocupado
estudante. Não se pense, por isso, que lhe tivesse passado pela cabeça pedir
menos rigor na sua avaliação: tal seria inútil, senão mesmo contraproducente,
tratando-se de quem se tratava. Não, o meu amigo, pouco aplicado na disciplina
mas nada estúpido, foi-lhe pedir algo, sim, mas de outro género. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O nosso professor era, como disse, muito bem preparado em
filosofia, a qual ensinava muito bem, e um profundo conhecedor dum filósofo em
particular, Emmanuel Kant, o que ele a cada passo afirmava, citando-o amiúde nas
suas aulas e nas conversas informais connosco. Filósofo alemão do final do
século XVIII, o pensamento de Kant, complexo, abrangendo profundamente vários
aspectos da mente e do comportamento humanos, teve influência decisiva em
muitos filósofos alemães que se lhe seguiram, pode-se dizer que marcou
profundamente o pensamento filosófico do século XX e continua a estar presente
em muitas das actuais correntes. Pois a proposta foi: “Eu sei que o <i>sôtor</i> é um entusiasta do Kant, eu também sou, sabe?
Quero propor-lhe que o meu exame seja só, exclusivamente, sobre o Kant. Uma
conversa de nós os dois sobre ele!”. Apanhado de surpresa, o professor
respondeu: “Rapaz, o Kant é realmente muito interessante, mas olha que assim
ficas sem defesa, se não souberes o suficiente e eu não te perguntar sobre mais
nada tenho de te reprovar, entendes isso?!”. “Com certeza, eu corro o risco, sobre o Kant,
só.”</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Quando nos comunicou esse trato para o exame (que demoraria
ainda umas semanas a acontecer), tentámos demovê-lo, temendo o resultado pelo
nosso amigo: “Eh pá, olha que o Kant é difícil, o capítulo é grande, e assim
vais ter de o estudar de trás prá frente e da frente pra trás!”. Retorquiu
tranquilamente: “Pois, mas sempre é mais fácil do que estudar o livro todo!...”</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Fez exame e passou, com uma nota razoável.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Sabia filosofia? Não. Sabia alguma coisa sobre Kant? Sabia.
Conseguia perceber a influência de Kant nos outros filósofos? Provavelmente
não. Conseguia perceber o que os outros filósofos tinham ido buscar a Kant? Não.
Entendia como os filósofos da sua época podiam evoluir sob a influência de
Kant? Seguramente não.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
O nosso professor era um perito em Kant? Era. Sabia filosofia?
Sabia. Podia ensinar o pensamento de Kant? Sim. Podia ser professor de
filosofia? Podia. Se só soubesse Kant podia ser professor de filosofia? Não.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Este é um episódio, absolutamente verídico, que me tem vindo à
cabeça com alguma frequência, mais vezes agora. Quando vejo colegas que se
prepararam muito numa determinada área, limitada, da sua especialidade e quase
nada, ou muito pouco, no resto, renegando-o mesmo. São subespecialistas. Quer
dizer, nem chegam a ser especialistas, ficaram-se por um dos capítulos do livro.
De modo que têm uma utilização limitada, muito específica. E um conhecimento
por um funil. O que é o contrário de um especialista, bem preparado na sua
especialidade, que se interessa depois mais por uma determinada área, onde até
mostrou mais capacidade, e a <a href="https://www.blogger.com/null" name="_GoBack"></a>desenvolve, perfeitamente
enquadrado no conjunto, sendo uma mais-valia global para o Serviço consoante este
necessitar. Chamo a isto “superespecialização”, é o contrário de “subespecialização”
e é, obviamente, o desejável que aconteça.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Para que não haja especialistas de uma dada especialidade
presentes no hospital e doentes urgentes dessa especialidade não sejam tratados
por falta de um subespecialista; ou por haver subespecialistas doutras áreas que
não da necessária. Quantos subespecialistas de cada naipe são precisos num
Serviço duma especialidade? Quantos pode
cada hospital pagar?</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
E, a este propósito, vem-me também à ideia que se um dia
necessitar de ser operado gostaria de sê-lo pelo melhor cirurgião do mundo. Mas,
como é pouco provável que ele possa operar todos os doentes do mundo, se calhar
terei de ser operado por outro. E note-se que não digo “por outro que seja bom”:
porque todos os cirurgiões têm de ser pelo menos bons. Podem ser mais do que
isso, menos é que não.</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
</div>
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///H:/Artigos/Em%20execu%C3%A7%C3%A3o/Kant,%20o%20meu%20amigo%20e%20a%20subespecializa%C3%A7%C3%A3o.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "symbol"; mso-ascii-font-family: Cambria; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-char-type: symbol; mso-hansi-font-family: Cambria; mso-hansi-theme-font: minor-latin; mso-symbol-font-family: Symbol;">*</span></span></a> <span lang="PT-BR"><span style="font-size: x-small;">Director de Serviço de Cirurgia do
CHUC-Hospital Geral (Covões), Professor da Faculdade de Medicina de Coimbra,
Presidente da Associação Portuguesa de Médicos da Carreira Hospitalar<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoFootnoteText">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
</div>
</div>
<div>
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<span lang="PT-BR"><i><span style="font-size: x-small;">In Revista da Ordem dos Médicos (ROM), Fevereiro 2016</span></i></span></div>
</div>
</div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-180847588597381722015-10-11T14:38:00.002+00:002015-10-18T14:52:50.265+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 14pt;">REFLEXÕES DE UM CIRURGIÃO PASSADOS <o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 14pt;">MAIS DE 30 ANOS<o:p></o:p></span></b><br />
<b><span style="font-size: 14pt;"><br /></span></b><b><span style="font-size: 14pt;">Parte II</span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div style="text-align: left;">
<b>Carlos Costa Almeida</b></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<b> </b> </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Sempre quis ser cirurgião, e realizei esse desejo. A
cirurgia geral que aprendi e tenho praticado tem sofrido, ao longo destes anos,
progressos e outras alterações que talvez o não sejam, e por isso merecem
com certeza a reflexão de nós todos, cirurgiões gerais.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
A maior alteração foi, sem dúvida, a introdução da via
endoscópica, seja laparoscópica, toracoscópica, retroperitoneoscópica ou outra,
e a sua relação de dependência com toda a tecnologia a ela ligada. As
intervenções cirúrgicas realizadas por essa via são exactamente as mesmas que
as anteriormente executadas por via aberta, permitindo, no entanto, reduzir
muito o grau do traumatismo cirúrgico, conseguindo-se uma alta muito mais
precoce e um menor número de complicações, ao mesmo tempo que, nalguns casos,
se tem uma visão significativamente mais precisa do campo operatório.
Trabalhando num espaço fechado criado pela insuflação de gás, ou ajudados pela
visão de perto fornecida pela câmara de videoscopia, vemos o que doutro modo
não seria possível. E, utilizando instrumentos cirúrgicos cada vez mais
elaborados, realizamos por uma abordagem mínima intervenções que, às vezes,
através duma incisão extensa seriam muito mais difíceis e trabalhosas.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Há intervenções na cirurgia geral que são notavelmente mais
fáceis pela via laparoscópica (como, por exemplo, a colecistectomia, a
fundoplicatura gástrica, a apendicectomia), ou retroperitoneoscópica (como a
ressecção suprarrenal), outras executadas com a mesma facilidade e outras ainda
um pouco mais custosas mas lucrando o doente com o acesso mínimo. Nessas
condições, é evidente que é a abordagem endoscópica que deve ser preferida,
sempre que não houver contraindicações gerais ou locais que a devam afastar.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Pelo menor traumatismo e maior simplicidade de execução, depois
de adquirido o<span class="apple-converted-space"> </span><i>know-how</i>, a
videoscopia veio mesmo permitir reabilitar algumas intervenções a caminho de
serem pouco praticadas ou até abandonadas. É o caso da laqueação de perfurantes
venosas insuficientes nas pernas, em doentes com insuficiência venosa crónica
dos membros inferiores, tratamento com indicações indiscutíveis mas, pela
dificuldade na localização exacta dessas veias, a ser substituído pela sua
ablação transcutânea ecoguiada (por radiofrequência ou escleroterapia), também
ela nada fácil, diga-se em abono da verdade, e que a abordagem cirúrgica
endoscópica subapnevrótica torna muito fácil para o cirurgião, para além de
estar naturalmente integrada na mesma intervenção que lhe vai permitir tratar
as outras veias varicosas. E a simpaticectomia toracocervical, e a lombar. Esta
continua a ser uma última hipótese em doentes com lesões ateroscleróticas
isquémicas não revascularizáveis dos membros inferiores, com possibilidade de
60% de induzir melhoria clínica significativa sem ser, no entanto, possível
prever o resultado em cada caso; por via endoscópica não é traumática, não é
dolorosa, praticamente não tem complicações, permite a alta poucas horas
depois, pode ser realizada em ambulatório e, feita no internamento do doente
isquémico, não prolonga esse internamento. Passou, por isso, a valer a pena nos
casos em que está indicada.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Curiosamente, a abordagem endoscópica levou por vezes a
alterar os passos nas intervenções, por maior facilidade, e isso veio
demonstrar que algumas regras classicamente mantidas para a sua realização
afinal não deviam existir porque não se justificavam. Duas conclusões a
extrair: é possível praticar a mesma boa cirurgião de modos diversos, que devem
ser escolhidos de acordo com a regra da maior facilidade de execução em cada
caso, e essa escolha é possível para os que detêm a experiência e os recursos
técnicos cirúrgicos necessários.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
É, portanto, uma via de acesso que devemos ter disponível e
que deve ser utilizada quando indicada. Quando da sua divulgação entre nós, no
início dos anos 90, apenas alguns centros tinham essa tecnologia, e só alguns
cirurgiões a podiam, portanto, utilizar. Eram cirurgiões experientes, mas
formados na abordagem aberta, pelo que tiveram de adquirir a postura técnica
para vídeoscopia. Muitos conseguiram-no (pela prática e através de cursos de
aprendizagem, primeiro mais básicos, depois mais elaborados, obtidos no
estrangeiro ou dentro de portas, e que se foram disseminando pelo país), alguns
não, tendo sido isso, até, causa declarada ou inconsciente de algumas reformas
antecipadas. Hoje em dia é prática corrente, em muitas situações muito mais
frequente que a via aberta, e o seu ensino já pode ser feito como
anteriormente, pelo trabalho normal: ajudando, fazendo ajudado, fazendo, depois
ensinando. O problema da aprendizagem põe-se hoje na cirurgia aberta, já que
ela é muito menos vezes praticada e, portanto, as possibilidades de a aprender
dessa forma se reduziram.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
A evolução da tecnologia também veio permitir criar um
conjunto de possibilidades de ensino da cirurgia, para além do seu exercício e
da velha cirurgia experimental em animais. Há modelos para treino em cirurgia
vídeoassistida e em suturas mecânicas, e há todo um conjunto de meios
audiovisuais que nos podem fazem aprender a operar duma forma semelhante à dos
pilotos de avião a pilotar antes de chegarem ao avião real. É claro que
actualmente é muito mais fácil aprender cirurgia que há umas décadas atrás, com
a variedade ampla de meios de aprendizagem de que dispomos. Sendo certo que a
execução nos doentes tem de fazer parte integrante também dessa aprendizagem,
esta não está tão dependente dela como estava antigamente. O conhecimento da
anatomia, ter noção do conjunto da intervenção a praticar e de cada passo dela
de per si, saber o que se pretende conseguir, as complicações a evitar, o que
fazer para as corrigir, tudo isso se deve aprender antes de operar um doente.
Mas sendo tudo isso muito importante, fundamental e inultrapassável é a
clínica, são as indicações, a escolha e o momento da intervenção, o seguimento
do seu resultado. Devemos continuar sempre a lembrar, e cada vez mais com a
explosão da tecnologia que nos avassala, o aforismo que diz: “Bom cirurgião é o
que sabe operar; melhor o que sabe quando operar; e melhor ainda o que sabe quando
não operar”.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
A tecnologia em vídeo aproveitada na vídeocirurgia teve
múltiplas outras aplicações. Vivemos na época dos videojogos, cada vez mais
realistas e sofisticados, e os nosso jovens cirurgiões pertencem à sua geração.
Ao longo da sua juventude adquiriram com entusiasmo e persistência as
habilidades e a visão ligadas à videoscopia, que, naturalmente, aplicam a esse
tipo de abordagem cirúrgica. É mais um exemplo de aplicação translacional de
habilidades e capacidades. O seu exercício pode ser excitante, e nalguns
cirurgiões poderá levar à postura de querer fazer o maior número de pontos numa
operação endoscópica... mesmo que o doente perca o jogo. Há que saber quando
desistir, parar e converter para cirurgia aberta.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Outro aspecto crucial na evolução tecnológica foi a
informatização de todo o processo clínico, e a possibilidade de ele acompanhar
virtualmente o doente para onde ele vá. Muitas instituições em todo o país já
foram capazes de a instalar de modo a, praticamente, fazer desaparecer o papel,
facilitando o estudo, tratamento e seguimento dos doentes. Mas também aqui é
preciso alertar para o perigo de nos focarmos exclusivamente nas virtudes da
comunicação electrónica e nos esquecermos do doente real, da sua observação, de
discutirmos, à sua cabeceira (na enfermaria, na sala de endoscopia ou de
imagiologia), entre nós e com colegas doutras especialidades,
multidisciplinarmente, sinais e sintomas, exames e estratégias, pensando
colectivamente em soluções. Há que reverter a prática de certos hospitais em
que os vários médicos envolvidos no tratamento dos doentes apenas comunicam por
escrito, ainda nos velhos processos em papel ou já nos registos informatizados,
aqui de modo ainda mais fácil por poder ser feita à distância (sem mesmo nunca
verem o doente!). <o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Em relação com a aprendizagem, hoje em dia alguns têm a
ideia de que “só faz bem quem faz muito”, e que, portanto, para se fazer bem
uma determinada intervenção há que fazê-la o maior número de vezes possível por
unidade de tempo. Ora se é verdade que “a prática contribui para a perfeição”,
alcançá-la não depende só do número de vezes que se repetem os mesmos gestos,
como parece pensarem os que reduzem tudo a números. A rapidez com que se
aprende cirurgia é individual, e está dependente, nomeadamente, para além das
capacidades de cada um, da sua cultura médica e cirúrgica e da sua experiência
prévia e também da concomitante. Naturalmente, um cirurgião que faça só uma
intervenção cirúrgica, para manter a mão terá de a realizar muito mais vezes do
que alguém para quem essa intervenção esteja incluída numa actividade cirúrgica
intensa e variada. O que vai contra a orientação de se querer que os cirurgiões
gerais desde o início da sua carreira se restrinjam a um determinado tipo de
cirurgia, com abandono de todos os outros. Isso será amputá-los da
possibilidade inestimável de adquirirem habilidades e recursos técnicos
provenientes duma prática variada, e que os irão enriquecer indiscutivelmente
como cirurgiões. Será condená-los a ser subespecialistas, e em cirurgia,
também, “quem sabe só duma coisa nem disso sabe”. Para além de que o aspecto
multifacetado dum profissional é sempre uma mais-valia e maior garantia de
emprego. Outra coisa será, e desejável, o cirurgião experiente tornar-se
superespecializado numa determinada matéria.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Se um motorista tirar a carta de pesados e for colocado de
imediato em exclusividade numa carreira de autocarros com dez quilómetros de
extensão, e passar dez anos a percorrê-la, ida e volta, vinte vezes ao dia, não
haverá por certo quem conheça melhor esse percurso, e eu iria muito satisfeito
com ele. Mas não o quereria a conduzir uma camioneta de excursão de Coimbra à
Lousã ou, menos ainda, numa viagem a Paris.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Da cirurgia geral saíram várias especialidades cirúrgicas,
mas isso aconteceu sempre por razões de maior especificidade na evolução da
clínica médica relacionada com determinadas patologias, e em procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos específicos que foram surgindo em relação com
essas patologias. Nunca nasceu nenhuma baseada apenas num determinado tipo de
cirurgia, e com a justificação do número de intervenções realizadas por unidade
de tempo. É natural que, num Serviço, determinadas intervenções menos
frequentes sejam realizadas sobretudo por um ou dois cirurgiões, mas não de
forma monopolista, excluindo todos os outros, e sempre enquadrados no conjunto
do Serviço. Doutro modo a massa crítica para esse tipo de cirurgia reduzir-se-á
a um ou dois... E, igualmente mau, o desinteresse forçado de todos os outros
levará a que capacidades individuais possam ficar desaproveitadas, em proveito
de alguns já estabelecidos mas eventualmente com menos capacidade. E o
monopólio, com desaparecimento de competitividade ou emulação, é um factor de
perda de qualidade.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Durante séculos a cirurgia foi de ressecção, excisando do
corpo as partes doentes. Era uma atitude pouco elaborada, pode-se dizer, apesar
de nalguns casos exigir grande maestria e conhecimentos anatómicos, e por isso
os cirurgiões não recebiam da sociedade o mesmo respeito que os médicos. Era
uma cirurgia mutiladora, anatómica, por oposição a uma mais recente, a que
podemos chamar fisiológica: na qual se introduzem alterações na anatomia com o
fim de recuperar uma função fisiológica desaparecida ou diminuída, ou de
conseguir uma modificação no funcionamento do organismo. Tonou-se possível pelo
conhecimento profundo dos mecanismos fisiológicos em causa, permitindo aos
cirurgiões manipular as estruturas anatómicas de modo a reproduzi-los ou
alterá-los. Exemplo disto é o tratamento cirúrgico do refluxo gastroesofágico
e, mais recentemente, a cirurgia da obesidade. A avaliação pormenorizada e
sistemática dos resultados das intervenções bariátricas permitiu perceber a sua
influência directa no equilíbrio da diabetes mellitus (que não apenas pela
redução ponderal), e vai, muito provavelmente, conduzir a mais conhecimentos na
fisiopatologia daquela doença, bem como do nosso sistema endócrino e de outras
perturbações do nosso metabolismo, para além da fisiologia do controlo do peso
corporal. É de prever que num futuro próximo doenças como a diabetes e outras
perturbações endócrinas afectando o metabolismo possam ser tratadas
directamente pelo cirurgião, no que já se chama de cirurgia metabólica, numa
evolução ao arrepio da habitual, que era de tratamento cirúrgico até haver
tratamento médico.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
<br />
<div style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
Como reflexão final, é natural que algumas instituições se
dediquem mais a uma determinada patologia, e assim se transformem em centros de
referência, pela sua elevada diferenciação, pelos meios de que dispõem, e a
colaboração directa, multidisciplinar, entre várias especialidades, pelos
resultados conseguidos, pela ajuda e treino fornecidos a outros centros menos
diferenciados, pelos trabalhos publicados e o contributo para o progresso nessa
área. Os centros de referência para uma determinada cirurgia devem, assim,
ganhar o direito a essa designação, e não ser-lhes outorgada pela benévola
simpatia de alguém ou apenas por se restringirem a praticar essa cirurgia. E
também aqui não deve ter lugar o monopólio, afastando todos os outros centros
da cirurgia em causa. Porque o monopólio é, repito, factor de perda de
qualidade: pela falta de emulação e competitividade, pela falta de
oportunidades dadas a mais cirurgiões, por uma reduzida massa crítica a nível
nacional, com apenas um punhado de especialistas a falar sempre do mesmo
assunto da mesma maneira. Outra coisa é ter uma massa crítica maior, com uma
hierarquização de competências e meios, permitindo tratar casos simples em
centros menos diferenciados e os mais complicados em centros de maior
diferenciação. Aproveitando-se assim toda a capacidade cirúrgica instalada por
todo o território nacional, estimulando os cirurgiões de todo o país a serem
cada vez melhores, tirando o máximo rendimento das condições existentes.<o:p></o:p><u1:p></u1:p></div>
</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: x-small;"><i>Pub. Revista Portuguesa de Cirurgia, Numero 32, Mar 2015</i></span></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-29045608458037881032015-01-11T09:05:00.000+00:002015-10-18T15:41:17.015+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 14.0pt;">REFLEXÕES DE UM CIRURGIÃO PASSADOS <o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 14.0pt;">MAIS DE 30 ANOS<o:p></o:p></span></b><br />
<b><span style="font-size: 14.0pt;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: 14.0pt;">Parte I</span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div style="text-align: left;">
<b>Carlos Costa Almeida</b></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<b> </b> </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Sempre quis ser cirurgião, e realizei esse desejo. Tive a
sorte de nascer para a cirurgia geral ao mesmo tempo que nasciam para todo o
país o Serviço Nacional de Saúde, as Carreiras Médicas e os Internatos Médicos.
Os quatro fomos companheiros ao longo destes anos e não me agrada a ideia de
podermos vir todos a desaparecer um dia ao mesmo tempo (Parte I destas Reflexões).
A cirurgia geral que aprendi e tenho praticado tem sofrido, ao longo destes
anos, progressos e outras alterações que talvez o não sejam, e por isso merece
com certeza a reflexão de nós todos, cirurgiões gerais (Parte II). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<b><i>Serviço Nacional de Saúde (SNS) <o:p></o:p></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
O SNS foi uma ideia nascida no Reino Unido e depois
aplicada no nosso país com um êxito notável. De tal modo que foi sobrevivendo sob
a governação dos vários partidos que, sozinhos ou em combinações várias, dela
estiveram encarregados. A ideia era o Estado prestar cuidados de saúde a todos
os cidadãos, como parte das suas funções e aplicação dos impostos recebidos.
Por isso os meios para essa prestação foram a pouco e pouco espalhados por todo
o território nacional, em zonas urbanas e rurais e independentemente da sua concentração
populacional, na forma de centros de saúde para cuidados primários e hospitais
para os secundários. Estes últimos foram hierarquizados em termos de
diferenciação, partindo do princípio de que todos os doentes, vivessem onde
vivessem, teriam um contacto rápido e fácil com um hospital, capaz de lhes
resolver a maior parte dos problemas de saúde ou de os direcionar para outros se
precisando de cuidados mais específicos ou diferenciados.<span style="color: red;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Estabeleceu-se por todo o país uma rede de hospitais
estatais de boa qualidade, tratando os doentes que os hospitais das
Misericórdias até aí não possuíam capacidade de tratar. E que tinham por isso
de “ir para Lisboa” (ou para o Porto, ou para Coimbra, onde estavam os
hospitais com os meios, ligados às Faculdades de Medicina e onde o ensino pré e
pós-graduado era feito).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Houve, assim, que construir muitos e equipar adequadamente todos,
também com recursos humanos, estes capazes de assegurar as funções que não eram
mais as de canalizar doentes para os hospitais dos grande centros, antes fornecer
uma medicina com a mesma qualidade em todo o território nacional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<b><i>Carreiras Médicas<o:p></o:p></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Ao mesmo tempo desenvolveram-se as Carreiras Médicas, cujo
embrião residiu nas carreiras médicas dos Hospitais Civis de Lisboa: as
Carreiras Médicas Hospitalares desde logo estenderam os seus princípios gerais
aos Cuidados de Saúde Primários, embora se tivessem sentido desde sempre
diferenças, sobretudo pelo facto de o trabalho médico hospitalar ser necessariamente
muito mais de equipa e interactivo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Os quadros dos hospitais públicos foram preenchidos por
especialistas com vários graus de diferenciação, estabelecidos por apreciação
da sua actividade profissional, clínica e científica, e exames com provas públicas
entre pares. O exame de entrada houve tempos em que era o mais difícil e
exigente, e os graus conseguidos na sua carreira profissional hospitalar
permitiam e obrigavam os médicos a um envolvimento e uma responsabilidade cada
vez maiores na gestão dos Serviços e dos Hospitais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Desse modo se espalharam por todos os hospitais do país
cirurgiões competentes e motivados para trabalhar, aplicando as suas
capacidades e conhecimentos, em vez de
ficarem a gravitar em torno dos hospitais centrais já preenchidos, ou de irem
para o interior trabalhar nos hospitais das Misericórdias locais, realizando toda
a vida apenas a cirurgia que as condições limitadas desse hospitais lhes
permitiam fazer. Aproximar cirurgiões e
doentes em instalações de qualidade, com bons resultados, foi um avanço notável
em termos de saúde. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Com o estabelecimento dessa actividade cirúrgica em todo o
território nacional, incluindo os hospitais mais periféricos, foi possível, e
natural, estender a todo o país a formação pós-graduada, com qualidade
homogénea, aumentando de forma decisiva a capacidade para essa formação. O que,
por sua vez, contribuiu também, e decisivamente, para a fixação de médicos
nesses hospitais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<b><i>Internatos Médicos<o:p></o:p></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Os Internatos Médicos, para formação pós-graduada até à especialização,
foram organizados no nosso país de um modo que teve muito de original, e que
incluiu aspectos mais tarde recomendados pelo <i>Advisory Committe on Medical Training</i>, da Comissão Europeia: remunerados,
acompanhados por um orientador, com um currículo mínimo estabelecido e um
programa de formação, avaliação contínua, com direitos e deveres legalmente
estabelecidos, com o objectivo de criar as condições necessárias para uma boa
formação, quer teórica quer prática.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Esta organização para ensino, a que os jovens médicos têm
acesso por meio de um exame público nacional, veio substituir a especialização
por convite dos directores dos Serviços (em geral acompanhando nos hospitais ligados
às Faculdades de Medicina o convite para assistente), ou a formação chamada
“voluntária”, feita a título de favor, sem programa específico e sem direito a
qualquer remuneração pelo trabalho prestado nessa actividade, com tónica no exame
final pela Ordem dos Médicos, no que antigamente se chamava “tirar a
especialidade à Ordem”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Na sequência directa dessa situação anterior, já depois de
estabelecidos os internatos e com o seu acesso regulamentado mantiveram-se dois
exames finais, pelo Ministério da Saúde e pela Ordem dos Médicos (na base de “o
meu exame é melhor que o teu”...), até a titulação ser unificada, tal como se
mantem hoje.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
O trabalho dos internos é pago, mas as responsabilidades de
que são encarregados devem estar de acordo com o seu ano de formação e os
conhecimentos que entretanto adquiriram, reconhecidos pela sua avaliação
contínua. Há uma relação óbvia com as carreiras na sua estruturação, ambos com formação
progressiva avaliada continuadamente e com responsabilidades crescentes dela
decorrentes. Das quais faz parte integrante e obrigatória a ajuda à formação e
ao trabalho dos mais novos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<b><i>Entretanto<o:p></o:p></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Entretanto, foram criados os hospitais empresa (EPE), ideia
que até poderia ser boa no sentido de tornar mais ágil e responsável a gestão dessas
instituições, concedendo a cada uma a possibilidade de se destacar das outras
pelos resultados e pelo melhor aproveitamento das condições existentes. No
entanto, a primeira consequência dessa empresarialização é que passou a dominar
a gestão puramente administrativa dos hospitais, eclipsando a gestão clínica, e
os médicos passaram a ser apenas técnicos a fazer serviço numa empresa dentro
do plano definido pela hierarquia administrativa. Contratados para funções
especificas e às vezes transitórias, por objectivos individuais ou ao molhe, a
ideia de equipa a fazer escola aperfeiçoando-se dia a dia foi sendo substituída
pela de uma máquina produtiva que interessa sobretudo manter o mais oleada
possível. A empresarialização, reclamada como mecanismo de agilização e maior
eficiência, redundou numa mais completa funcionarização dos médicos, agora até
com horários ao minuto e relógios de ponto. Que discutem e reivindicam acima de
tudo contratos, horários e remunerações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Como cúmulo do triunfo da gestão administrativa, alguns
colegas, em vez de lutarem pela primazia da gestão clínica a cargo dos médicos,
com a ajuda administrativa julgada necessária, renderam-se a esta e também
quiseram ter um curso rápido de administrador. E alguns até se desligaram da
medicina por isso... É o caminho inverso do que faz falta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
É claro que os médicos tiveram de continuar a desempenhar
funções de direcção técnica, mas por nomeação aleatória, já que a
hierarquização pela competência traduzida na avaliação periódica entre pares
esbateu-se por completo. Dito por outras palavras, as carreiras, se bem que
nominalmente mantidas, deixaram de ter sentido. Os concursos dentro delas
passaram a ser apenas uma espécie de subida de escalão remuneratório, apesar do
esforço meritório de alguns Colégios para reservar pelo menos a direcção dos Serviços
para os mais graduados dentro de cada Serviço. O que nem sempre se verifica,
prevalecendo às vezes o critério discricionário “amigo” e todo poderoso da
direcção do hospital.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Desvalorizadas as carreiras médicas, o esforço para nelas
singrar necessariamente feneceu, isto é, o esforço pela maior diferenciação, no
sentido de mais experiência, conhecimentos, trabalho produzido (e não de sub ou
super-especialização, que serão alvo de reflexões futuras). Sendo certo, e
valha-nos isso, que o brio e vontade de fazer melhor de muitos de entre nós
compensarão essa falta de estímulo externo, continuará a faltar a avaliação
independente e comparativa dos
resultados conseguidos, e com ela a possibilidade de se acreditar verdadeiramente
na ascensão por mérito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Quando da minha permanência profissional no Reino Unido, explicava
eu a dada altura com algum orgulho que os concursos das carreiras no meu país,
nomeadamente o de entrada no quadro do hospital, tinham um júri de maioria de
fora do hospital, com o intuito de garantir isenção na avaliação. O comentário
feito pelos ingleses presentes, “Então são os outros hospitais que escolhem a
equipa do teu?”, abalou seriamente a minha visão nessa matéria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Os hospitais EPE vieram permitir a contratação directa de
cirurgiões, de acordo com as necessidades de cada hospital. O desejo de
contratar os melhores deve estar sempre presente em qualquer empresa, e deve
poder ser posto em prática. Surgem de vez em quando concursos para admissão nos
hospitais, mas que, na ausência de exames com provas públicas, funcionam como
entrevistas de emprego, com a subjectividade que as mesmas necessariamente têm.
Mesmo quando se lhes quer imprimir alguma objectividade, como nos concursos
fechados para recém-especializados, cujo “background” profissional não
extravasa o internato de formação específica terminado e avaliado imediatamente
antes, vemos resultados extraordinários como o de em seis candidatos o pior
classificado no internato ficar em primeiro lugar, ou em quatro o melhor ficar
em último. Pensando bem, no Reino Unido é uma coisa, por cá é outra...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Uma alteração positiva foi a possibilidade de os
especialistas poderem mudar de local de trabalho com facilidade, por interesse
próprio ou das instituições, sem se ter de passar por concursos morosos e que
tornavam essas mudanças muito difíceis. Com o aspecto negativo de a gestão
administrativa, por vezes demasiado enfeudada a políticas locais ou
partidárias, aí ter passado a poder interferir, inclusivamente usando essas
mudanças como arma de pressão política eleitoral. E fala-se de os hospitais passarem
de novo para as Misericórdias, ou para as Câmaras Municipais, tornando-os ainda
mais locais e dependentes da política local e das suas tricas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
O Estado continua a providenciar cuidados de saúde à
população, mas sob a tónica do corte nas despesas com a saúde e com os
funcionários públicos. E essa tónica tem sobretudo justificado duas acções: por
um lado, encerramento de algumas instituições, fusão de hospitais e concentração
de Serviços; por outro, pagamento a instituições privadas da função de tratar
doentes públicos. Isto levou ao aparecimento nos grandes centros urbanos de muitos
hospitais privados, e clínicas, com boas condições técnicas, muitos deles já
com um quadro de especialistas próprio mas que dão também trabalho a muitos
outros a trabalhar nos hospitais públicos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
A redução de capacidade instalada no público, a par duma provável
emigração forçada de especialistas que entretanto se vão formando arrastará consigo
uma redução significativa da capacidade formativa. E esta virá agravar o resultado
do desaparecimento das carreiras hospitalares, que eram um estímulo fundamental
para a formação. Com a agravante ainda de os especialistas das instituições
privadas, no momento, provirem todos dos hospitais públicos. Há sempre a possibilidade de se vir um dia a
assistir a uma mudança de paradigma na formação médica pós-graduada em
Portugal, com envolvimento significativo da medicina privada, mas por agora, tendo
sido os internatos médicos construídos lado a lado com as carreiras, a
derrocada destas é de temer que acabe por levar aqueles a ruir também. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
Como última destas reflexões, uma preocupação, em termos de
saúde pública nacional, com a concentração obrigatória que se anuncia de tudo o
que seja patologias mais complexas e meios técnicos e humanos mais
diferenciados nos grandes centros urbanos, quer no público quer no privado. Essa
concentração poderá levar a uma nova desertificação de todo o interior em
termos de cirurgiões diferenciados, capazes, ambiciosos do ponto de vista
profissional, que mais uma vez irão gravitar nesses grandes centros, embora
agora com a possibilidade de trabalhar nas instituições de saúde privadas
entretanto instaladas, pelo menos nas que quiserem investir em cirurgia
diferenciada com a qualidade necess<span style="display: none; mso-hide: all;">Desse
modo os doentes do interior vestir em grande cirurgia mais diferenciadis uma
vez ir levs condiç meu paabalo,</span>ária. Desse modo os doentes do interior de
novo terão de “ir para Lisboa”... E a capacidade formativa pós-graduada voltará
progressivamente a circunscrever-se aos grandes hospitais (tornados entretanto
ainda maiores). É, de certo modo, o caminho inverso do que se percorreu nestes
últimos trinta anos. Apesar de isso, ao fim e ao cabo, acompanhar tudo o que
tem levado a concentrar a população e os meios nos nossos grandes centros
populacionais, com desertificação da periferia (o que é, aliás, característico
de qualquer país pobre e com dificuldades sociais), não creio que seja um modelo
a desejar para o futuro. Esta é uma questão de bom senso e de não ignorar o que
previamente deu bom resultado.<o:p></o:p></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: x-small;"><i>Pub. Revista Portuguesa de Cirurgia, Numero 31, Dez 2014</i></span></div>
Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-13199025678709267782011-11-27T12:43:00.001+00:002011-11-27T12:43:56.256+00:00Algumas reflexões sobre o tempo que passaÉ natural que os médicos se preocupem sobretudo com os problemas da saúde. Mas no momento crucial que a Humanidade atravessa, em especial na Europa do euro, os problemas sociais e financeiros assumem um papel que a pouco e pouco nos domina cada pensamento e atitude. Uma tremenda crise financeira se instalou, com alguns Estados europeus – infelizmente o nosso também – sem dinheiro para pagar as dívidas que tiveram de contrair para terem liquidez para assegurar os serviços que cumpre aos respectivos governos prestarem. <br />
Portugal vive, assim, mergulhado numa crise financeira para a qual, afirmemos sem qualquer peso na consciência, os portugueses, o povo, pouco ou nada contribuíram. Trabalhámos, exercemos a nossa profissão, ganhámos dinheiro, gastámos, pagámos impostos, alguns pediram dinheiro emprestado aos bancos (que é para isso que servem os bancos) e estão a pagá-lo, e foi só isso, nada de errado ou pecaminoso. Com a entrada na CEE e os fundos de adesão que de lá vieram, é verdade que acabámos a viver melhor. Mas é lamentável ouvir e ler alguns – nem sequer políticos, antes fazedores de opiniões apressadas e pouco credíveis - tentarem demonstrar que a crise financeira que se estabeleceu no nosso país deriva de os portugueses terem vivido razoavelmente bem durante umas duas dezenas de anos, em casas bem cuidadas e com bom aspecto, com boas estradas, uma educação aceitável e uma saúde das melhores da Europa e do Mundo. Falar sequer nisso é uma falácia completa, e serve apenas para louvar e perpetuar a situação agora criada, cá e internacionalmente, que corre manifestamente a favor de alguns poucos e, portanto, em desfavor da maioria. E classificar Portugal como um país que só pode existir no terceiro mundo. E não o é, seguramente.<br />
Incomoda-me, por um lado, ver como se pretende estender os erros cometidos por quem governa, aqui e por essa Europa comunitária fora, aos respectivos povos, incluindo o nosso, quando estes se limitaram a viver conforme as condições que lhes eram proporcionadas. Procura-se criar uma espécie de remorso colectivo, um sentimento de culpa, perfeitamente despropositado e sem razão de ser, que visa apenas desviar atenções de quem tem realmente toda a culpa. Não nos esqueçamos que a destruição dos nossos meios de produção foi uma imposição da Europa Comunitária, como moeda de troca pelo dinheiro que nos ia enviando. <br />
Por outro lado, acho extraordinário ver incluída a Saúde, e os problemas que ela agora atravessa entre nós, com tendência para um agravamento progressivo, no pacote de causas da crise que nos assola. Ela começou muito antes a resvalar e a perder o pé, com a política do ministro Correia de Campos para o sector e a empresarialização que fez dos hospitais públicos. Foi essa empresarialização que levou ao desmoronar das carreiras médicas, e foi este simples facto que criou o substrato que está a fazer o Serviço Nacional de Saúde a pouco e pouco decair e soçobrar, ingloriamente. <br />
O SNS continha em si, por obra do ministro António Arnaut e do seu Secretário de Estado Mário Mendes, com um contributo depois muito importante do ministro Paulo Mendo, uma estruturação que lhe permitia com naturalidade uma avaliação e renovação contínuas, com uma garantia permanente de qualidade, qualidade essa responsável última por ser um dos melhores do mundo a um preço dos mais baixos na Europa. E foram precisamente aquelas modificações introduzidas – e não a crise financeira, que é de agora – que levaram a um aumento desconforme da despesa, que o tornou, agora sim, de muito difícil sustentação. <br />
Mas creio firmemente que esta será ainda possível, desde que se inverta o caminho percorrido na última meia dúzia de anos, e se recupere a hierarquização pela competência e provas dadas. É necessário reestruturar a Saúde, isto é, voltar a dar-lhe uma estrutura viva e actuante, porque neste momento é uma estrutura morta. E dum morto não se pode esperar nada de positivo. <br />
Só com muito esforço é que poderemos sair desta crise. Um esforço partilhado por todos, funcionários públicos e privados, donos de empresas e bancos. Mas não será só com poupança. O povo agora tem de poupar porque não tem dinheiro, porque não lhe pagam o seu trabalho, porque o que deu para o Estado em impostos desapareceu juntamente com o que veio da CEE. Há que se gastar menos, sem dúvida, mas manter o país vivo. Poupar tanto e tão indiscriminadamente que o leve à morte não é solução. Poupar mas produzir, criar de novo condições para produzir, deve ser essa a tarefa de quem nos dirige e de nós todos. Que não é a mesma de quem nos emprestou dinheiro, esses apenas velam pelo retorno dos juros e do capital, por isso atenção que os conselhos e exigências deles são apenas nesse sentido, há que os adaptar à nossa sobrevivência. <br />
Os cortes não podem ser indiscriminados e transversais, têm que ser bem dirigidos, cirúrgicos, poupando o que constitui a espinha dorsal do país. A saúde e a educação representam pilares da vida e da sobrevida do país, não podem ser desfeitas. Fundir, fechar, despedir nessas áreas fazem parte do problema, não da solução. Enquanto trabalhadores da saúde reorganizemo-nos, façamos o melhor possível, sigamos quem entre nós mostrar ser melhor, não é momento para tricas pessoais ou partidárias. Destruir, num país que já tem tão pouco, não é solução. Aproveitemos o que temos, rentabilizemos, deixemos duma vez por todas de ouvir os que conduziram a Saúde a isto, oiçamos outras ideias, que nos levem a ter aquele golpe de asa de que tanto precisamos. É apenas disso que precisamos, não dum milagre.<br />
<span style="font-size: xx-small;"><em>Carlos Costa Almeida</em></span>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-14410587284265172812011-11-09T21:40:00.000+00:002011-11-09T21:40:22.793+00:00Mário Mendes e as Carreiras Médicas<div style="text-align: justify;">O Serviço Nacional de Saúde foi uma obra administrativa notável, da responsabilidade do ministro António Arnaut e execução do seu Secretário de Estado da Saúde Mário Mendes, obra que dura há mais de três dezenas de anos, resistindo ao longo dos mais variados governos, de diversa orientação política, e agora debaixo de fogo cerrado. Uma obra que visava uma medicina de qualidade ao alcance de todos, tendencialmente gratuita, com o superior objectivo, larga e duradouramente conseguido, de dotar o nosso país com um sistema de saúde estatal de primeiro plano à escala mundial, e a baixo custo quando comparado com outros de qualidade similar em países ricos.</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;">O SNS teve uma ligação estreita, indissociável, eu diria imprescindível, com outras duas realizações notáveis na área da saúde em Portugal: os Internatos Médicos e as Carreiras Médicas. Foi através deles – Internatos e Carreiras - que a formação médica pós-graduada e contínua se enraizou, produzindo profissionais de gabarito, que nada ficam a dever do ponto de vista teórico e prático aos colegas de topo dos outros países ocidentais. E foi por eles, num triunvirato ganhador com o Serviço Nacional de Saúde, que foi possível estender a todo o território nacional, ao seu interior, de onde antes os mais doentes eram penosamente deslocados obrigatoriamente para as três cidades universitárias do litoral a fim de poderem ser tratados, médicos especializados bem preparados, entusiasmados e prontos a fazer carreira, a ganhar notoriedade, na sua dedicação à profissão, com o retorno adequado em termos materiais mas sobretudo de êxito profissional oficialmente reconhecido.</div><div style="text-align: justify;">Foi uma receita extraordinária esta, aplicada de maneira profícua, por homens cujo nome não deve ser esquecido, entre eles o Professor Doutor Mário Mendes, e onde compete também citar o Dr. Paulo Mendo. As Carreiras Médicas, em particular, permitiram equipar todos os hospitais, grandes e pequenos, centrais e periféricos, com profissionais bem preparados, e inclusivamente fazer a sua preparação localmente, criando verdadeiras escolas médicas hospitalares, com um papel que considero determinante na elevação da qualidade que se registou, traduzida objectivamente pela melhoria de todos os indicadores de saúde. Rapidamente se foi estabelecendo uma hierarquização pela competência, experiência e diferenciação técnico-científica, com repercussão decisiva na formação dos internos e na abordagem e tratamento dos doentes. </div><div style="text-align: justify;">Tudo isto forneceu ao SNS uma estrutura, que era como que um esqueleto de suporte mas que ao mesmo tempo tinha todas as condições funcionais que lhe permitiam com naturalidade e eficiência autoavaliar-se, corrigir-se, evoluir. E foi o que fez durante mais de 30 anos, desde o seu começo pela mão do Professor Mário Mendes e do Dr. António Arnaut. Durante esse tempo convivemos com ele, naturalmente, dando-o como garantido, sendo para o país um assunto arrumado. Mas eis senão quando foram nele introduzidas, há poucos anos, alterações estruturais, modificações organizativas, mudanças de paradigma, anunciando-se objectivos que redundaram afinal em maus resultados, com a correspondente derrapagem dos indicadores de saúde e da classificação nacional no “ranking” internacional nessa área. Um dos pilares desmoronou-se mesmo – as Carreiras Médicas – e a estrutura restante tem sido severamente agredida. Teme-se pelo seu futuro, e é nesta altura que quem a criou é, naturalmente, lembrado. Com saudade, mas também com esperança, porque a recordação de êxitos passados torna possível acreditar em futuros. Mesmo quando no imediato tal não pareça possível. </div><div style="text-align: justify;"><strong><em><span style="font-size: x-small;">Carlos Costa Almeida</span></em></strong></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;">De um livro de homenagem ao Prof. Mário Mendes a publicar brevemente</span></div><br />
<span style="font-size: x-small;"></span>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-23631452715202193352011-09-18T14:03:00.000+00:002011-09-18T14:03:31.493+00:00Recordando para memória futura<div style="text-align: justify;">Há pouco mais de 6 anos houve uma mudança significativa na organização da Saúde no nosso país, com medidas que foram julgadas por alguns, desde logo, como lesivas a médio e a longo prazo, senão de imediato. Todas essas críticas foram liminarmente ignoradas, e as medidas propostas, incensadas por alguns e por muita da comunicação social, foram postas em execução, e mantidas até hoje. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;">Diz-se que um país que não tem em conta a sua História não tem futuro. O mesmo é válido para cada um de nós, e para as instituições, e para os ministérios. Incluindo o da Saúde. Na altura daquelas mudanças, e visando sobretudo as da área hospitalar, escrevi e publiquei um artigo, em papel e no blog da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar (medicoshospitalares.blogspot.com), depois inserido no livro “Farpas pela nossa Saúde” (ed. MinervaCoimbra), intitulado “Os dois Antónios do PS na Saúde”. Num momento de mudança de governo, e em que se esperam mudanças, será oportuno relê-lo. Dizia assim:</div><div style="text-align: justify;">“O Dr. António Arnaut, advogado de Coimbra e membro antigo do Partido Socialista, foi o criador do Serviço Nacional de Saúde (SNS), há mais de 25 anos. E ficou na História por bons motivos, "pai" dum serviço que neste último quarto de século funcionou perfeitamente, e que até há uns meros 5 anos a Organização Mundial de Saúde classificava em 12º lugar entre todos os sistemas de saúde do mundo, com o 5 º lugar na Europa e muito à frente do inglês e do norteamericano (37º), sendo apesar disso o que gasta menos entre todos os dos países da Europa dos doze. Um Serviço de Saúde verdadeiramente aberto a todos, ricos e pobres, nas cidades maiores e nas aldeias mais recônditas, tendencialmente gratuito, e permitindo com facilidade e "souplesse" a articulação com as Carreiras Médicas. Estas foram um passo decisivo na organização médica e na nossa formação pós-graduada, responsáveis por um avanço ímpar na nossa História em termos de preparação técnico-científica dos médicos, e sobretudo na sua homogeneização em todo o território, desde os hospitais maiores até aos mais pequenos e distantes dos grandes centros.</div><div style="text-align: justify;">O outro António, o Dr. Correia de Campos, socialista mais recente, chegou ao Ministério da Saúde em 2002, saiu e voltou a entrar, e desde sempre tem demonstrado para com a Saúde uma preocupação economicista redutora, que coloca acima de tudo e de todos. Essa preocupação veio fixar muito claramente um preço à saúde, e à vida (habitualmente ditas sem preço), pondo cada vez mais restrições nessa área. Tem o objectivo confesso de poupar dinheiro com a saúde, o que justificou as medidas que tem tomado para alterar o SNS, e que ao que tudo indica vão pôr em perigo as próprias Carreiras Médicas. Apesar dessa preocupação, e das medidas que tem tomado, a despesa não pára de crescer, eventualmente pela sobrecarga administrativa e burocrática que elas próprias acarretaram. Obrigando a uma cada vez maior comparticipação financeira directa dos doentes, já agora uma das mais elevadas na Europa dos doze.</div><div style="text-align: justify;">São estes os dois Antónios do PS em questão. Um ficou famoso, o outro vamos a ver. Tudo dependerá dos resultados.”</div><div style="text-align: justify;">Pois bem, os resultados estão à vista, e a conclusão a tirar é por demais evidente. Inegavelmente coincidindo com as alterações introduzidas, a despesa com a Saúde disparou, as carreiras médicas, garante no nosso país de formação contínua adequada e de progressão na hierarquia da competência, da responsabilidade e do vencimento daí decorrente, foram aviltadas e destruídas, substituídas por uma trapalhada qualquer que já ninguém percebe o que é. Sucedem-se contratos e mais contratos, o mais díspares possível, uns pelo preço da chuva outros por valores milionários, sem qualquer explicação aceitável, à peça ou à hora, ou “por objectivos de produção”, como os administradores a quem os hospitais estão entregues gostam de dizer. A actividade científica desvanece-se, sem qualquer estímulo e carregada do ónus de ficar muito cara, e a qualidade da medicina praticada diminui a olhos vistos (para quem queira ver), já com sinais preocupantes como o aumento da mortalidade por tuberculose e a recrudescência da mortalidade infantil, com o acesso global dos doentes aos cuidados de saúde a remeter-nos actualmente para o 27º lugar na Europa (numa queda a pique de 22 lugares). E falamos em apenas meia dúzia de anos.</div><div style="text-align: justify;">Ao fim de tão pouco tempo, a medicina hospitalar portuguesa ficou num beco sem saída, do qual, a manter-se tudo como está, não tem meios para recuar. Por via das mudanças introduzidas pelo segundo dos Antónios citados. Mas estas mudanças poderiam, a par do desmantelamento da estrutura que suportava a qualidade, ter pelo menos levado a poupar algum dinheiro, o que, eventualmente, ainda deporia a seu favor. Mas não, dos hospitais empresarializados daquele modo um terço estão considerados falidos, e note-se que isto, dito assim, é, como todos sabemos, demasiado lisonjeiro para os outros dois terços. </div><div style="text-align: justify;">Foi sobre este desastre que se veio agora abater a crise financeira que nos aflige. Urge modificar as coisas, poupar, com certeza, mas não apenas com cortes cegos e sem olhar a quem ou a quê. É preciso acima de tudo corrigir o que de mal foi feito e levou ao estado actual, e que foi repetidamente detectado, exposto e discutido. E é isso que numa hora de mudança se espera.<br />
Sim, é possível corrigir, reestruturar, recuperar a qualidade e a eficácia, e com elas poupar muito, melhorando. É a qualidade que acaba por ficar mais barata. Mas é preciso mudar, e isso não se consegue continuando a ouvir, a publicar, a seguir, muitos daqueles que contribuíram para o que foi feito erradamente. Por muito que digam agora, a sua obra está aí. Fala por eles. Oiçam-se outros, sigam-se outros. Não se queira ignorar a História, porque se o fizermos corremos o risco de repetir os mesmos erros. Ou, neste caso, continuá-los, o que será, além do mais, incompreensível já no momento presente.</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: xx-small;"><em>Carlos Costa Almeida,</em> APMCH</span></div>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-79627022377734077142011-08-30T20:50:00.000+00:002011-08-30T20:50:23.625+00:00A PIOR CRISE NÃO É A FINANCEIRA<div style="text-align: justify;">O nosso país vive mergulhado numa crise financeira para a qual, afirmemos sem qualquer peso na consciência, nós todos pouco ou nada contribuímos. Trabalhámos, exercemos a nossa profissão, ganhámos dinheiro, gastámos, pagámos impostos, alguns pediram dinheiro emprestado aos bancos (que é para isso que servem os bancos) e estão a pagá-lo. Incomoda-me ver como se pretende agora estender os erros cometidos por quem governa, aqui e por essa Europa comunitária fora, aos respectivos povos, incluindo o nosso, quando estes se limitaram a viver conforme as condições que lhes eram proporcionadas. Procura-se criar uma espécie de remorso colectivo, um sentimento de culpa, perfeitamente despropositado e sem razão de ser, que pretende apenas desviar atenções de quem tem realmente toda a culpa. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;">É lamentável tentar demonstrar que a crise financeira que se estabeleceu no nosso país deriva de os portugueses terem vivido razoavelmente bem durante umas duas dezenas de anos, em casas bem cuidadas e com bom aspecto, boas estradas, uma educação aceitável e uma saúde das melhores da Europa e do Mundo. Falar sequer nisso é uma falácia completa, e que, não inocente, pretende apenas louvar e perpetuar a situação agora criada, cá e internacionalmente, que corre manifestamente a favor de alguns poucos e, portanto, em desfavor da maioria. E classificar Portugal como um país que só pode existir no terceiro mundo. E não o é, seguramente.</div><div style="text-align: justify;">A verdade indesmentível é que o Serviço Nacional de Saúde, como serviço do Estado aos seus cidadãos, foi criado e funcionou bem com um gasto mínimo durante três dezenas de anos. E digo mínimo porque, embora consumisse cerca de 10 por cento do PIB (dentro da média dos países da Europa da CEE), era o que em valor absoluto gastava menos, muito abaixo dos outros. E com uma qualidade muito próxima da dos melhores. Mas há uma meia dúzia de anos um ministro resolveu que havia que modificar tudo isso, e modificou. A desculpa apresentada foi a sustentabilidade económica – segundo ele, em perigo. Acontece que, contrariamente às intenções anunciadas, passado este tempo a despesa com a Saúde é cada vez maior. E a qualidade deteriorou-se, e agrava-se a cada momento que passa, desorganizou-se a estrutura profissional hospitalar, com uma desierarquização que limita o desempenho das equipas, lhe baixa o nível e o torna por isso mais caro, para além de emperrar inevitavelmente a formação, actual e, sobretudo, futura. Isto paralelamente a ser tornado crescentemente mais difícil o acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Mas detenhamo-nos por um momento nas condições hospitalares que ajudam a explicar todos estes factos.</div><div style="text-align: justify;">A empresarialização dos hospitais inventada e posta em execução pelo ministro Correia de Campos levou de imediato à desvalorização e inoperabilidade das carreiras médicas, na prática à sua destruição, pese embora os concursos que vai havendo para os resistentes. Concursos sem qualquer repercussão prática, uma vez que os lugares de chefia – que devem forçosamente ser também de orientação técnica e direcção científica – têm sido entregues a quem calha, por razões não ligadas aos conhecimentos médicos, provas dadas, capacidade profissional, e só por acaso estão atribuídos a quem deveriam estar. </div><div style="text-align: justify;">Esse desprezo administrativo pela competência profissional dos médicos vai ao ponto de se contratarem recém-especialistas pelo dobro ou o triplo do ordenado dos que estão no topo da carreira, mesmo que alguns destes estejam encarregados dos respectivos Serviços. Quer dizer, os responsáveis ganham metade ou um terço do que os mais jovens, que eles próprios ajudaram a formar, ganham. Para além disso, a dita empresarialização permitiu que alguns médicos, por razões obscuras (para dizer o menos), saíssem das carreiras e fizessem um contrato individual de trabalho, no mesmo hospital e para as mesmas funções, por valores milionários, quando outros permaneciam nas condições monetárias anteriores.</div><div style="text-align: justify;">A desestruturação dos hospitais, entregues aos serviços administrativos, permitiu a destruição de Serviços e a contratação e subcontratação ad hoc de profissionais, à tarefa ou à peça, com “objectivos de produção”, sem qualquer interesse ou proveito na formação e na actividade científica, estas fundamentais nos hospitais enquanto escolas médicas profissionais responsáveis pela criação e manutenção de bons profissionais.</div><div style="text-align: justify;">É evidente que todas estas aberrações, em muitos casos exemplo de má gestão e prepotência, senão nepotismo e favorecimento pessoal (termos caros para “amiguismo”), não poderiam dar bom resultado. E não deram, e a situação de catástrofe que se vice actualmente na Saúde, a ser afastada dos doentes, com um défice financeiro monumental e rapidamente crescente, e uma qualidade cada vez mais periclitante, a elas se deve em grande medida. Para além do despesismo administrativo, com a miríade de administradores que invadiram os hospitais e com os gastos sumptuários correspondentes, em invenções informático-administrativo-electrónicas, muito interessantes e modernas com certeza mas que sobejam a quem, com pouco dinheiro disponível, só queria tratar doentes.</div><div style="text-align: justify;">Não sei se a reforma implementada na Saúde visava estes maus resultados nos hospitais, mas teve-os. Não há como negá-lo, temos sim de os corrigir, na medida do possível. Já vem do governo anterior uma tímida intenção de modificar o que está mal na organização dos hospitais, mas condenada por certo ao fracasso quando se encarregam da reconstrução os responsáveis pela destruição. E eles aceitam. Mais uma vez deixando-se os críticos, que ainda por cima mostraram ter razão, completamente fora do processo.<br />
Como se vê, a crise na Saúde não deriva da crise financeira, é-lhe anterior em meia dúzia de anos e é muito pior, mais profunda e delicada. Há que procurar resolvê-la, e creio que é possível fazê-lo, mesmo com as dificuldades económicas agora acrescidas, sem tratar mal os doentes ou excluí-los de tratamento, e respeitando os profissionais, o que implica remunerá-los adequadamente e dar-lhes as condições de trabalho e de formação contínua necessárias. Não é uma questão de mais ou menos dinheiro, será uma questão de sistema, de organização, privilegiando e responsabilizando, nas instituições que tratam doentes, precisamente quem trata os doentes.</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: xx-small;"><strong>Carlos Costa Almeida</strong>,<em> in</em> Tempo Medicina</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32548469.post-71524794616429424532011-06-19T22:22:00.001+00:002011-06-20T14:47:26.121+00:00Encerramentos, fusões e outras racionalizações<div style="text-align: justify;">Tornou-se francamente evidente a evolução negativa que a Saúde no nosso país sofreu de há pouco mais de meia dúzia de anos para cá, e de que nós desde o início viemos falando. Foi desde que a organização interna dos hospitais foi modificada, dando-se primazia à parte administrativa e esquecendo-se, ou pondo-se de parte, a clínica. Com a destruição das carreiras, as nomeações puramente políticas para os lugares de chefia intermédia, e a desestruturação interna que daí resultou, que se repercutiu na qualidade e no custo da assistência e também na formação dos profissionais médicos. Com os gastos enormes com a gestão, incluindo tudo que é material e programas informáticos, relógios de ponto electrónicos, prescrição electrónica, tudo electrónico e caro num país que não tem dinheiro para pagar as dívidas e tem pouco para tratar os doentes.</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;">Portugal está classificado agora em saúde nos últimos lugares europeus, quando era dos primeiros, a mortalidade infantil aumentou pela primeira vez em 20 anos e a morte por tuberculose recrudesceu. As pessoas pagam cada vez mais pela sua saúde, e isso vai-se agravar pelas medidas impostas pela “troika”. Mas com a qualidade a diminuir e a formação médica comprometida, os gastos e o prejuízo aumentaram exponencialmente. Quanto mais modificações se fizeram, mais a qualidade e a formação diminuíram e o prejuízo aumentou. </div><div style="text-align: justify;">Não vale a pena meter a cabeça na areia, e tentar fugir para a frente: o prejuízo virá atrás de nós. Com o descalabro financeiro crescente, e em vez de emendar a mão e reconhecer os erros de gestão cometidos, tentou-se poupar “racionalizando” meios, o que na prática correspondeu apenas a encerramentos, de centros de saúde, serviços de atendimento permanente, maternidades, serviços hospitalares, urgências e hospitais, agora noutra modalidade, a das fusões. Fundir 2 ou 3 hospitais, ou 8, como se fala em Coimbra, é reduzi-los a 1 e encerrar os outros, diga-se lá o que se disser. Com a redução de oferta e as limitações daí resultantes, bem como as consequências negativas para a economia da região envolvida. </div><div style="text-align: justify;">Os que trabalham na Saúde, sobretudo nos hospitais, sabem o que se passa, mas às vezes é bom pormo-nos no lugar dos doentes. Foi o que aconteceu comigo há uns tempos atrás, quando uma pessoa da minha família, muito chegada e querida, teve um AVC e foi por isso transportada de urgência para o centro hospitalar que serve a sua área de residência. Recebida e estudada lá, cedo o neurologista de serviço se apercebeu que a doente estava também a ter um enfarte do miocárdio. Aí surgiu o problema: para evitar “redundâncias”, a Cardiologia daquele centro hospitalar é noutro hospital, a umas dezenas de quilómetros de distância daquele. Que fazer? Tratar mal o enfarte (por alguém não especializado), ou enviar a doente noutra viagem de ambulância em plena fase aguda de duas situações patológicas graves, e depois ser mal tratada do seu AVC? Bom, esse problema acabou por ser resolvido pela própria doente, quando passado algum tempo morreu, ainda no primeiro hospital. Teria chegado a sua hora? Não sei, mas aquela falta de redundâncias não ajudou nada… Nem ajudou ou vai ajudar outros. Serão muitos ou poucos?... Para mim chegou que fosse uma…</div><div style="text-align: justify;">Mas a minha experiência recente como familiar de doente não se ficou por aqui. Um irmão daquela senhora tem insuficiência renal crónica, e faz hemodiálise numa clínica ligada a um hospital daquele centro hospitalar. Teve um problema respiratório agudo, foi obrigado a ir a outro; mas as queixas cardíacas que também apresenta não são para esse… e a correcção cirúrgica do seu acesso vascular para hemodiálise também não. Mas que dificuldade que os médicos que tratam este doente devem ter em encontrar-se e falar sobre ele! Bom, com certeza não falam. Provavelmente cada um o trata de per si, com as redundâncias que, aí sim, se podem imaginar e, se calhar, os maus resultados.</div><div style="text-align: justify;">Quase tudo que foi feito pelo governo nos hospitais portugueses nos últimos anos resultou mal, ou teria resultado melhor se fosse feito doutra maneira. Para quê continuar o mesmo caminho?! Que quem entra agora não acredite no “marketing” de quem sai, com o fracasso camuflado por projectos mais ou menos grandiosos e palavrosos mas balofos e sem sentido. Avalie-se o que foi feito, objectivamente, corrija-se o que está mal, reorganizem-se os hospitais, redimensionem-se, reconstitua-se a sua cadeia hierárquica, nomeie-se quem tecnicamente deve ser nomeado. Aproveite-se o que se tem, não se destrua para construir algo que está condenado ao fracasso logo à partida. </div><div style="text-align: justify;">Não se destruam hospitais centrais que funcionam bem há muitos anos, com o agrado dos doentes, só para seguir o que apareceu um dia numas linhas escritas à pressa num decreto lei, para encher espaço e completar umas 50 medidas prometidas, sem qualquer projecto ou estudo prévios! Que depois nos são apresentadas como ideia duma “troika” que de saúde saberá tanto como nós de empréstimos a juros. E que ao mesmo tempo nos quer reduzir também a educação e a justiça, coisas que, a par da saúde, só interessam aos pobres indígenas falidos que nós somos, e não a quem nos emprestou dinheiro e quer sobretudo os juros dele.</div><div style="text-align: justify;">Tenha-se a coragem de avaliar o que foi feito, e não se queira corrigir o que está mal com quem foi causa disso. Há que recorrer por uma vez a outros, a quem criticou esta política e tem ideias diferentes e concretas, encarar a Saúde doutra maneira, ter o golpe de asa que a Saúde em Portugal precisa. E o País também.</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: xx-small;"><em>In</em> Tempo Medicina, <em>Carlos Costa Almeida</em></span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Médicos Hospitalareshttp://www.blogger.com/profile/12692707075444094812noreply@blogger.com0